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segunda-feira, 22 de maio de 2023

Oficina de Nuvens

 


Oficina de     Nuvens

 

Não choveu durante todo o inverno, um mistério quase indecifrável, não encontramos nuvens no céu, todo o infinito de um canto a outro é azul, um profundo azul que foge de nossos olhos, e a noite cada estrela dança livremente. Brilham como filhotes de fogo perambulando pelo oceano silêncioso do céu noturno. Nesse mundo místico as ervas gemem, mas não conseguem chorar flores, a estação árida impede a oblação das águas. As fontes estão vazias, tão vazias quanto o firmamento sem fundo, onde os vestidos das galáxias estão ausentes, esse amontoado infinito de algodão flutuante, que absorve a alma dos oceanos e derrama sobre a terra como uma criança chorando por sentir a ausência dos pais foi recolhido do céu, serviço temporário de Serafins,  que com engrenagens invisíveis conseguem arrastar até às mais distantes estrelas do céu. Atrás de uma cadeia de montanhas mais ao norte da terra dos prados, um aglomerado de nuvens repousam num pequeno vale, entre dois rios que se cruzam com águas cristalinas e campos de flores silvestres. Meia dúzia de homens em uniformes amarelos trabalham dia e noite para reparar nuvens quebradas ou que apresentam problemas de mecânica celestial.  Tal é a profissão piedosa daqueles homens encerrados num tarefa de concertar as engrenagens quebradas das nuvens que transportam as férteis águas do firmamento para irrigar os campos e as florestas e o movimento cíclico das águas. A imensa responsabilidade de cada homem daquela oficina fantástica a manter as engrenagens funcionando, me chamou a atenção, principalmente aquele homem de quase quatro metros de altura pintando uma Nimbus de cinza com tonalidades bem escuras, no mesmo local um anão de óculos azulados explicava para outro anão que quando as engrenagens das nuvens se desencaixam produzem estrondos e soltam faíscas despertando a fúria dos ventos Adormecidos nos cumes dos montes, é a harmonia das coisas silenciosas que se rompem produzindo tremores eólicos. Outra nuvem retorcida pelo vento repousava lentamente na oficina, era um Cumulonimbus, avariada pela quantidade enorme de granizo que carregava sobrecarregada, rompia suas margens espalhando granizo pelos vales. Dois homens de quase três metros descarregaram a nuvem avariada para em seguida fazer os reparos necessários, remendar as partes rasgadas para logo recarregá-las e enviá-las para o Pólo Norte. Noite e dia, as atividades nunca eram suspensas, nuvens do mundo todo chegavam para serem consertadas, ao longe podiam ser observados os lampejos das soldas nas nuvens mais avariadas,  o barulho de trovões , eram comuns, ecos que atravessavam as montanhas e assustavam a noite. Pareciam motores em testes, misturados com homens cantando até às profundezas da madrugada músicas orquestradas para assustar o sono manter os mecânicos acordados em meio a tantas tarefas a serem realizadas.
Uma nuvem iridescente desce lentamente em um dos galpões sem tetos, feitos na medida para receberem nuvens avariadas, é uma Nacreous, filhas de auroras boreais, peregrinas nórdicas estrelas flutuantes no oceano atmosférico. Meia dúzia de anciãos estavam à espera dela, um dos anciãos faziam encenações com os braços, como se desse a Nacreous todas as orientações de pouso. Adiante, a arte celeste em campo aberto estendidas sobre a relva a formação de uma  Kelvin-Helmholtz. Era algo pré-histórico, acústico e fenomenal, ondas ou ganchos para apanhar os anéis de Saturno ou qualquer estrela errante peregrinando nos caminhos sagrados da ascensão. O corpo místico das rosas e seus espinhos ondulados como um mar revolto  buscando um berço nórdico para descansar no silêncio sacro de um céu acrílico incrustados de rubis e gemas acesas. Havia também um galpão para manutenção de nuvens médias como a  Altostratus, nesse recinto, as nuvens recebiam as engrenagens novas quando rompidas pelos ventos e temporais. Nada poderia ser tão belo naquela atividade barulhenta de lidar com nuvens quebradas,  afinal de contas, as nuvens são sonhos libertos que flutuam além da nossa admiração. Num magnífico entardecer elas estão lá no alto , pintadas de brasas vermelhas numa imensidão azul que pouco a pouco vai cedendo ao mar escuro por onde navegam as mais distantes estrelas e a lua repousa numa peregrinação oscilante como se fosse uma laranja untada de lágrimas nostálgicas. Lá estão nossos heróis envolvidos na tarefa de manter as nuvens correndo no espaço sagrado da nossa existência, permitindo que as nuvens levem chuvas e sombras em todos os lugares para garantir a irrigação dos campos e o descanso dos peregrinos da terra. Sem descanso, noite e dia, lá estão os homens a trabalharem na manutenção épica dessas massas polidas de algodão singelo, como ilhas flutuantes no oceano cósmico da atmosfera terrestre,  levando aos mais distantes recônditos do mundo as chuvas e colorindo os céus de outono com uma tintura pálida de cinza um branco cor de véu e absorvendo o fogo solar para ornar o firmamento de um áureo esplendor na alma do amanhecer e do anoitecer, e nós pobres mortais perdoamos todo o barulho mecânico daquelas oficinas porque amamos contar as nuvens e armazená-las na nossa memória para carregá-las para o mundo de nossos sonhos.



C. J. Jacinto

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