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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

O Órfão e o Eremita


O Órfão e o Eremita

 

C. J. Jacinto



O eremita estava em sua caverna ao lado da figueira antiga, uma pequena criança órfã procurou o bom homem para receber conselhos sobre a coragem de enfrentar as dificuldades da vida. Ele tinha um pequeno pedaço de pão velho na mão, estava descalço e as roupas já se transformando em trapos.  Ouvia o eremita que lhe ensinava com um discurso:

Poderia começar minha prosa abordando a necessidade da esperança, mas acho que a coragem é a virtude mais necessária para o nosso tempo.  Digo com certa convicção, pois nosso tempo é carente de homens corajosos. Uma coragem heroica é a divisa de um homem eterno e um comum, o medo parece ser algo imanente ao homem moderno, já a coragem parece ser uma virtude rara. Alguns contos épicos, entre eles, os que foram escritos por Tolkien e C. S. Lewis estão estruturados na narrativa da coragem. A guerra cósmica se equilibra entre a coragem de quem deseja fazer as coisas erradas e as certas. Que nosso mundo esteja cheio de homens fracos que apenas possuem uma coragem não heroica a coragem de não fazer o que é certo, não tenho dúvidas.


Bem, é que fazer as coisas certas exige um assombro de coragem de abrir mão de conveniências, a coragem tem como meta certo sacrifício, no caso das coisas erradas, a reputação é a primeira que se perde. A gravidade disso é enorme ao seu tempo, parece que existe um destino implacável para os que se inclinam para o mal.


Mas como estou falando da coragem de ser pelas coisas certas, não ser divergente com a verdade e com a equidade,  é um desafio constante para o homem moderno.
Agora que tenho o fio da meada, gostaria de afirmar, a coragem é a reação de um coração verdadeiro, quase sempre a coragem nas nossas escolhas certas é uma reação de um coração forte e dotado de emoções puras. Assim, devemos entender que a coragem nunca pode ser confundida com loucura.


A coragem também não deve ser confundida com a arrogância, pois uma vez que a motivação pelas coisas certas sempre denota algo em particular: altruísmo e amor não egoísta.  Assim entendo pois ela é a virtude que nos leva ao sacrifício de nós mesmos por uma causa que está acima de nossos particulares.
O corajoso sempre perde parte de si mesmo quando decide optar pela escolha certa  É o sacrifício da abnegação, ele precisa deixar seus medos frágeis e possuir cada virtude com ousadia. Ele tem o dever de viver a verdade e a certeza de posicionar-se frente à realidade das circunstâncias.


A coragem aprimora o herói, a vida não teria sentido sem o heroísmo, e aqui afirmo que não devemos cair na armadilha de conceber o imaginário de que seria necessário atos  Hercúleos para nós tornarmos heróis, a coragem na maioria das vezes não exige uma ação proporcionalmente dantesca, mas está inserida na ação cotidiana de um homem simples  Quando agimos de modo a ajudar o outro ao custo de pequenos sacrifícios, então pouco a pouco estamos erguendo uma pedra na nossa reputação.

 .
A coragem é uma virtude necessária para a vida, mesmo o mais frágil dos corações deve cultivá-la com insistência e muita tenacidade, pois ela e essencial para cada momento da vida, na infância ou na velhice.
Terminado o discurso, o eremita se levantou entregou o cajado e suas roupas a criança órfã, entregou a posse da caverna a ela e partiu floresta adentro e nunca mais foi encontrado.

 

 

 

 

 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O Soldado Descalço



 

Um soldado recém chegado da batalha foi convidado a palestrar na Associação Pró-vida de sua pequena cidade, o nome do soldado era Daryon.  O salão da associação estava lotado, muita gente de bem compareceu.

Todos estavam ansiosos para ouvir a palestra de Daryon, embora estivesse tranqüilo quanto ao assunto, subiu no palco, acenou para todos pedindo silencio e começo seu grande discurso no Pró-vida:

- Bom dia meus prezados ouvintes, sou um sobrevivente das batalhas do Norte, por motivo de um ferimento nos olhos, retornei para minha cidade e meu lar. Prezo pela associação que defende a vida, eu também sou um defensor. Fui posto nas condições de front, vi muitas vidas ceifadas enquanto mina metralhadora “cuspia fogo”. Faz parte da vida de um guerreiro. Confesso que a primeira vida que tombou morta diante de meus olhos me deixou triste, mas quando presenciei o décimo cadáver já estava feliz. Quando a graça perde-se dentro do coração por presenciar tantas desgraças, nada mais resta senão ser feliz com as tragédias. É como o homem acostumado a escuridão, qualquer luz que se acenda diante dele, irá pertubá-lo e odiará ela. Não floresce na alma aquelas virtudes que precisa de amor, o campo minado mata a carne dos combatentes e a alma dos sobreviventes.

 Eu mesmo insensível quanto à borboleta que voa, prefiro esmagar formigas, é difícil explicar com precisão, como ter a experiência da morte de si mesmo quando na verdade se está ainda respirando.

 Aquelas montanhas pontiagudas parecem apenas espadas de aço que rasgam meu espírito aventureiro, a alma está nua, a vida parece apenas um enigma que não se resolve, se extingue.   A liberdade foi embora, a primeira coisa que morre dentro de nós é a paz noturna, a guerra nunca termina para um homem que sobreviveu. Nas noites mais escuras quando a mente mergulha nas profundezas do sono, ali mesmo as bombas explodem, não há lugar dentro de nós que não se incendeiem, os cadáveres mutilados impedem que as flores desabrochem, a fumaça dos canhões impedem que o azul celestial brilhe sobre nossa esperança. A vida na guerra o que é? Fui à busca de respostas, mas os mortos nunca me responderam. Os vivos, eles ergueram os ombros e ignoraram minhas perguntas. Então eu poderia chorar, mas o soldado inimigo me insultaria, pois quando o ódio prevalece, as lagrimas são símbolos de covardia, nunca de arrependimento. Aliás, chorar de medo pode ser algo ridículo, quando na verdade deveríamos chorar de compaixão.  

 Na guerra não há esperança, a primeira a morrer dentro de nós é a sensibilidade, e se cedermos a essa morte, os sentimentos descem aos abismos, e quando voltamos de lá, devemos carregar um enorme coração de gelo, um peso enorme que congela todos os sorrisos. Se a mulher de Ló transformou-se em estatua de sal quando se voltou para Sodoma, nós nos transformamos em estatua de gelo quando saímos da guerra. Eu vi a vida fugindo, louca e sem destino, como uma âncora sem águas, de longe estava pálida e acenava para amigos e inimigos com um filosófico adeus, vi o portal das batalhas,campo de fugas de nossos sonhos, lá estava escrito e epítome do pensamento pessimista: "a vida é um processo constante de morte". Então aos rogos, na trincheira entre ratos e a lama, a fumaça tóxica e os gritos de agonia, não havia lugar para o êxtase místico, somente o ruído das engrenagens da vida se despedaçando em carne ferida e granadas, fogos de artifício do luto, o numinoso era apenas uma utopia que não podia transcender e repousar sobre os soldados falecidos. Ouvi o cantarolar de balas perdidas que atingiam homens que perderam a vida, homens perdidos no caos e atormentados pelo odor do sangue alheio. Eu perdi o juízo por um instante, joguei o fuzil ao lado e fora da trincheira tomei a frente da batalha cantando o provérbio cartesiano: "penso logo existo", as balas eram como naves eternas que arrebatavam a vida dos soldados para a eternidade. Ouvi um eco , um trovão sólido que me jogou para o alto, cai na terra que cheirava pólvora, meus olhos estavam doendo muito, não enxergava nada, meus ouvia uma sirene fúnebre , parecia uma canção sinistra, e fiquei ali mesmo onde cai, de face aturdida, parecia que estava mergulhado num buraco negro,  universo paralelo de todos os meus desesperos, então perdi a esperança, percebi que meus olhos estavam feridos,  a piedade se apoderou de mim, pensei que estava morrendo, seria mais um entre os milhares que matei e outros milhares da minha tropa que morreram.
Acordei no escuro, olhos envoltos em faixas, nas percebi que estava deitado em uma cama, era o hospital, recuperado do ferimento, algumas semanas depois, fiquei sabendo que a guerra se intensificou e muitas vidas estavam tombando no campo de batalha, resolvi me preparar para voltar à guerra.

Os presentes ao ouviram o discurso de  Daryon aplaudiram com grande êxtase e choraram emocionados com as palavras e a postura do soldado.


Daryon  percorreu o auditório, abraçando os mais emocionados, depois de alguns minutos, tomou sua mochila cheia de granadas e o fuzil e partiu. Pela janela da associação os participantes do encontro olhavam pela janela, até o bravo soldado desaparecer no fim da rua. Daryon partiu para a guerra novamente, com sua farda cor de luto e descalço.

 

Fim

 

 

 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

(Fim do Imundo)



 

Trama o néscio, recruta sujo

A si mesmo insolente vago

Destro que derruba árvore

Esmaga flores como ébrio da lama

Impotente homem sonoro poluído

Dos gritos sufocados nas dores

Quem te escuta?

Tolstói não tem ouvidos

Solzenitsin ?  Ontem partiu

Ninguém mais me viu

Então grita como profeta adormecido

Teu silencio enfermo

Tua ausência de todas as mortes

Ouça o núcleo que o plácido bradou

O mundo se acabou

Que falta de sorte...

 

C. J. Jacinto

 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Frases Cristas Para Reflexão