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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A MARCHA DOS INFANTES

 

A MARCHA DOS INFANTES

 

C. J. Jacinto.

 

Uma criança, meio adulto e meio mendigo, a pausa diante de um olhar diante da abertura de um túnel que levava para o outro lado da montanha, um vale desconhecido aos olhos infantes alimentado por um coração que sofria com a fome da aventura. Um lugar estranho, crianças e mais crianças, meio adulto meio infantes, maltrapilhos e mão sujas. Um planeta sem orbita fixa, um lugar nenhum fixo no espaço e no tempo. No coração, uma encruzilhada, deveria ou não entrar pela boca do túnel? á sua frente, um infinito de escuridão, nem mesmo um lampejo, nenhuma estrela pulsante e nem mesmo a alma de um pirilampo, apenas um mar de escuridão, sombras acústicas e talvez teias de aranhas presas no naufrágio de todas as ausências, pois a escuridão rouba a forma das coisas e transforma as coisas num nada.

Pois então, a criança vai entrar, mas antes, precisava acender uma vela, e ateando fogo ao pavio, a chama flamejante parece ser um pequeno sol a refletir nos olhos negros de uma face suja e fofa, uma criança e a coragem de um adulto, um passo a frente e outro, e a invasão, a quebra da barreira da escuridão espessa, pelo menos alguns centímetros a sua volta, o suficiente para dar o próximo passo, e então á direita e a esquerda, dezenas de crianças sentadas nos dois cantos, uma  a uma, a mais ou menos avançando a cada metro de distância, e em suas mãos. Uma vela, não acesa, criaturinhas inocentes nas sombras de uma existência escassa, inquieta, misteriosa, nas turbulências da existência. Então nosso corajoso herói, com uma luz acesa nas mãos, vai e começa a compartilhar o fogo e a luz, e cada criança que recebe, se levanta, com uma vela acesa nas mãos, e uma após outra, cada um ajudando a expandir o fogo e a luz, seguem numa marcha triunfal sobre a escuridão que antes reinava naquele recinto tubular, e uma apos outra na marcha seguindo a primeira criança, um grande exercito de infantes corajosos, é a queda das trevas, a derrota do império das sombras, ouve-se os passos de um grande numero de crianças, uma após outra com a luz radiante que absorve cada metro sombrio. A marcha durou um pouco mais de uma hora e a surpresa veio no fim do túnel, quando deram entrada ao final da trajetória no outro lado, no vale, que por sinal era extenso e era  também sombrio. Mas vela após vela, cada uma acesa em cada mão direita que segurava o fogo errante e vivo, os seus milhares, o vale se acendeu como se fosse uma aurora caminhante, um exercito de estrelas terrenas, unidas na correnteza de um adeus as sombras, para fazer com  que a luz triunfe sobre as circunstancias malditas da morte de todas as formas.

A união de todas as chamas, como a vertente de vulcão vivo cuspindo fogo, a revolução de um amanhecer que avança tenazmente sobre a madrugada fria e longa, a ponderar que as fagulhas fervem sobre o orvalho e a floresta revela seus segredos na linguagem dos pássaros que cantam os mistérios da linguagem harmônica do pulsar da vida.

O momento da ressurreição da esperança daquelas crianças acorrentadas pelos grilhões da escuridão, cada uma delas, em sorrisos agudos e transparentes, como as rosas que desabrocham no jardim depois da tempestade ou como o arco-iris mais sublime que injeta as cores no ar, como um artista invisível que pinta os fragmentos da luz nas esquinas do espaço e do tempo. Elas cantam.

Da canção orquestrada pela alegria de sentir a luz e a beleza das formas ainda aquelas mais primitivas, como as samambaias e as suas folhas que dançam ao vento.

Dos mistérios da vida que procede a luz, o sol que a criança recebe como herança e até a velhice ainda continua iluminar seus passos até a morte, aquelas velas queimavam mas não havia desgastes repentinos, algo tão enigmático quanto a luz que atravessa as entranhas mais profundas do universo e repousa sobre os olhos que contemplam as estrelas mais distantes da noite.

Assim reunidas em círculos, àquelas crianças queriam saber quem era aquela pessoa de cabelos grisalhos, em pé sustentados por uma bengala, as mãos fracas onde as células sofriam abalos sísmicos da carne envelhecida pela idade avançada, olhavam a cena tão triste daquele ancião que tentava erguer a própria vida no escombro do tempo, a entropia das horas que se transformavam de momento a momento em passado, até tornar-se tão remoto, que o berço nascente era um acontecimento longínquo perdido nas eras mais primitivas de todas as saudades.

 

Os grãos da vida sendo debulhados por seqüências, e a espiga nua sofrendo a frieza de um despojo inevitável, as crianças admiradas diante de tão flácida criatura gemendo, cada uma delas se compadecendo por sentir a parte humana que lhes comunicava pelo fato.

A decifração do enigma de tão estranho acontecimento, o medo de tornar-se como aquela criatura, a primeira criança a acender a luz, a seguir por instinto a liderança sob as demais resolveu retornar pelo túnel e voltar a sua antiga civilização, e dando meia volta, todas as outras a seguem, e em silencio marcham num retorno épico para o antigo mundo de onde partiram, e a passos largos, como quem segue fugindo do medo, repelem a própria sombra e corre para buscar abrigo, cada uma delas retorna.

Uma marcha silenciosa e inquieta, a pressão dos sentimentos espessos como as sombras afugentadas, reunia cada uma delas todas as forças necessárias para o regresso. E, num transtorno de miragens intimas, sentiam o cansaço agudo a tocar no coração que disparava em batidas cardíacas tão intensas que parecia a vida se colapsar de fadigas.

Passaram-se os minutos e as horas e enfim, chegaram ao destino que já foi uma partida, e muito cansadas, cada uma delas, chegou ao lado de cá da vida, e retirando de suas bolsas, cada uma delas, um espelho. Antes porem lavaram seus rostos carregado de fuligens, e ao limparem a face, erguendo o espelho descobrem, cada uma delas, que estavam velhas...

 

Extraído do livro: Contos Ordinários e Extraordinários

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