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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O Pirilampo e a Libélula

 

 

O Pirilampo e a Libélula

(Um Conto de C. J. Jacinto)

 

O cenário era de um mundo pós-apocalipse, uma terra devastada, completamente coberta de um mar morto e cinzas. No céu nuvens carregadas de fuligem, tempestades mortas e os vales estavam vestidos de névoas insólitas. Alguns cumes das montanhas mais altas, ainda permaneciam espaços recôncavos, onde a terra, ainda um pouco fértil, esperava uma semente.

A devastação se arrastava como um redemoinho, a chuva, um suor de catástrofes não encontrava flores para irrigar, os campos estavam sufocados pela fumaça, os homens, uns poucos que restaram, estavam escondidos nas cavernas mais profundas, os pássaros da manhã não cantavam, a asfixia do ar, impeliam os poucos que restavam a choramingar uma canção fúnebre.

Mas havia uma historia de esperança, certo sábio que viveu alguns anos antes de acontecer a catástrofe  final, proferiu certa profecia, e era uma simples predição de que depois que o planeta entrar na sua agonia de morte, se uma semente pudesse ser plantada e germinada em um cume de uma montanha e uma flor desabrochasse, o mundo poderia respirar a esperança e a restituição poderia acontecer.

Essa era uma predição simples, não sei a causa ao certo, porque seria assim, mas a história ganhou vida e se falava muito entre os sobreviventes dentro dos escombros.

Num certo campo, havia um pequeno cordeiro que havia morrido pela asfixia, ao seu lado, tentando se proteger de um eventual vento polar, uma libélula estava carregando uma pequena semente de girassol, sabia que tinha uma esperança, e precisava voar em direção ao cume mais próximo, assim que o vento gélido cessasse. Mas havia outro problema, era noite nuclear, estava tudo muito escuro, a libélula precisava de uma lâmpada, sem uma luz para conduzi-la, seria praticamente impossível chegar ao destino pretendido. Precisava de ajuda urgente, e então aparece um pirilampo, com a sua luz verde, um brilho tímido, quase imperceptível no meio daquele campo de escuridão.

O pirilampo se aproximou da libélula e disse a ela que iluminaria o seu caminho até o cume de alguma montanha, precisavam alcançar um lugar onde tivesse terra fértil para que aquela frágil semente pudesse ser colocada em algum sulco, precisavam também encontrar um jardineiro que cuidasse daquela semente até que florescesse.

Os dois iniciaram a épica jornada, escolheram uma montanha chamada de “Calvária”, e mesmo frente ao desafio, num lugar inóspito coberto por muitas teias de predadores, elas prosseguiram. O pirilampo ia a frente e a libélula seguia atrás, num nuance de vôos rasantes entre a escuridão e as teias de aranha, num jornada quase infinita para aqueles pequenos heróis.

Por todos os lados uma quantidade enorme dessas armadilhas feitas por aracnídeos famintos, observamos com acuidade, a enorme quantidade de insetos que caíram nas garras desses predadores.

O anseio de cada aranha era que a libélula e o pirilampo não alcançassem o topo de Calvária, mas que caíssem nos tentáculos de suas armadilhas mortais.

Muitas delas se uniram para lançarem teias gigantes sob as copas das arvores, uma ação quase universal, uma sublevação, uma rebelião contra a esperança, uma guerra contra a luz, um enredo de terror, teias pegajosas estendidas sobre um mundo morto, quase invisível diante de uma escuridão derivada do caos.

Havia agora no mundo uma dissimilaridade, a quebra de um sistema harmônico há muito tempo já havia sido quebrada. Sem uma percepção nítida da necessidade da luz, os poucos homens que restaram voltaram para os interiores das cavernas, a fuga da escuridão tóxica e do medo era um impulso, quando não temos a coragem de enfrentar nossos pequenos defeitos, não seremos suficientemente corajosos  para abraçarmos as maiores virtudes.

Assim, o bem é mais do que uma missão na existência, é uma luta. Quando caímos de nosso estado de ser, apenas para os lugares mais inferiores a fim de que os instintos sufoquem as virtudes, então o colapso social e iminente. A queda de uma sociedade ocorre quando as virtudes são corrompidas.

Mas nossos pequenos heróis prosseguem sua jornada, e a responsabilidade do pirilampo, guiado por uma luz que ilumina apenas alguns centímetros a frente, algo que foi projetado para atrair e não guiar, mas as virtudes crescem na medida da importância de uma missão justa, a chamada para o heroísmo só é real quando existem ameaças reais.

Mesmo que todas as aranhas do mundo se levantem contra nossos pequenos heróis, eles tem um desejo, um sentimento elevado, e todo o sentimento elevado que emerge da humildade, tende a prevalecer num mundo que necessita de heroísmo autentico. Os heróis  fantasiados que se vestem com roupas áureas apenas para esconder o monstro do egoísmo, não podem enfrentar qualquer tipo de desafio cuja circunstancia ofereça o martírio.

Metro após metro, e em cada vôo, eles se aproximam do cume, e quando lá chegam, depois de muito cansaço e tantas lutas, encontra uma criança vestida de branco, inocente como o sol de uma tarde de primavera, onde as flores mais perfumadas dançam enquanto os pássaros cantam a despedida do dia.

Não poderia ser tão gloriosa a cena, pois a criança estende o braço e o pirilampo permanece no chão e a libélula pousa ali. Aquela criança sorridente e sem nome, representa aqueles heróis anônimos da vida, que nos beneficiaram de alguma forma, ainda que com um copo de água fria, e a libélula e o pirilampo não fogem à regra!

Um sulco na terra é feito, a semente é lançada, a criança chora, suas lágrimas regam o jardim no cume de Calvária, a semente germina. Cresce a planta em vigor e formosura, o verde aparece novamente, nossos insetos heróis partem em busca de abelhas.

O tempo passou, e o girassol floresceu, é um novo dia que nasce a partir da esperança, o mundo precisa ser coberto de flores novamente, os homens precisam sair de seus antros covardes, é tempo de semear novamente o campo, a esperança renasceu. Os homens voltam a escrever, mas eles estavam escondidos no medo, a escuridão embruteceu o coração.

Eles olham um para o outro, a pergunta é:

Quem subiu no monte Calvária e semeou em seu cume?

Um relato surgiu, um boato que se espalhou por todos os cantos

Um pirilampo e uma libélula levaram um grão até o cume, e lá uma criança que preferiu viver nas alturas de um monte ao invés de uma caverna, recebeu da libélula, a semente de girassol e plantou. Foi o renascimento da esperança.

Então um dos mais sábios dos homens que saíram das cavernas riu, e em tom de zombaria técnica e racionalismo metódico grita;

-Ah, mal começamos a civilização e já somos forçados novamente a crer em mitos.

 

                                  FIM

 

 

 

 

 

A Herança do Silencio


 

Na quietude emerge a plenitude

Na ausência dos ruídos o âmago do sossego

A épica tranqüilidade responde

Onde cada estrela se acende e brilha na noite

Até na essência da madrugada cintila e em labor

A destilação imaculada do orvalho

No silencio desabrocham as flores

Os frutos amadurecem nos pomares

Aromas e perfumes são discursos nos ares

Até nas profundezas térreas dos mares

As ostras perlíferas moldam as perolas

Num sofrimento sem gritos

A alma de todos as angustias sufocadas

No silencio o sol alumia

Como um farol cósmico em oceanos austeros

A réplica dos cumes num eco insólito

Sem ressonâncias sonoras

Como o floco na neve branda

A geada que repousa sonolenta na relva

Preciso também  do silencio

Para adormecer  e viver meus sonhos.

 

C. J. Jacinto

 

 

(Austeridade)


 

O amor nasce

Em dores de mares profundos

                  Como pérolas que gritam

Num chão de ancoras

                       O amor só pode ser recolhido

Em  um coração puro que sabe sofrer

 

 

Eu semeio as flores em teus desertos

         Irrigo tua sequidão com orvalho de minhas lágrimas

Se fores apressado na indiferença

                            Pisando os sulcos de meus labores

Abandonar-te-ei quando o mundo se acabar

 

 A vida é um épico para heróis

      As cicatrizes são selos de batalhas

As lutas avançam nas noites frias

 Se tiveres medo dos ferimentos

Severa será a tua covardia

 

 

C. J. Jacinto

 

domingo, 8 de setembro de 2024

AS ROSAS DO PEREGRINO

 

AS ROSAS DO PEREGRINO

 

 Um peregrino percorria certa estrada empoeirada, aquele imenso deserto sem nome, onde os pés calcavam o solo moribundo de uma terra quase sem forma e vazia. Cheia de antros e sombras de arvores mortas, adormecidas nas saliências de dunas pardas, que projetavam sombras medianas como se fossem pedaços de uma noite fragmentada pelos gritos de pessoas desesperadas.

 Um começo de dia, um recalque no calendário, a soma que se emancipa para projetar milênios, uma calmaria que se quebra por gemidos de ventos perdidos e os passos de um homem coberto de trapos.

Naquele prodigo dia, perdido nas estações, aquele homem vê ao longe um Oasis, se é que podes ser definido como um, pois eram apenas pequenos arbustos envoltos num pequeno e tímido manancial de águas. Ao chegar próximo, ansioso para refrescar-se com um pequeno gole de água, o viajante se depara com uma roseira, e tinha apenas três rosas, um mistério, enigma escondido no caos, tendo por testemunha, as estrelas adormecidas por causa do meio dia.

Uma rosa era branca, outra era negra e a outra era azul.

Sentado sobre uma pequena pedra, absorto naquela imagem transcendental, as três rosas como se fossem as três marias estelares, três flores magníficas, libertando um aroma doce, a identidade de uma primavera perdida numa civilização de pedras e catástrofes, o caustico calor de um verão infinito, as rosas permanecem entre a fragilidade e a força, como se a humildade tivesse o poder da permanência em um mundo inóspito, saturado pelo orgulhos dos monturos secos, recalcados numa aridez tão íntima, que a terra permanecia assombrada por todos os sustos.

O peregrino colhe as três rosas, e ele entende que elas nunca irão murchar, florescer no meio da tragédia ou brilhar em meio a escuridão, é um sinal de que a superação se adquire através da resiliencia, ele coloca as flores com muita delicadeza dentro de seu alforje, e prossegue seu destino, sabendo que sua missão na vida é entregar cada uma das rosas, para as respectivas pessoas que durante sua viagem encontrar.

Assim, prossegue sua jornada, e então começa a encontrar pessoas que aparecem na estrada. Ele encontra um orgulhoso, e olhando para suas vestes e sua face, nota a arrogância no olhar, pois despreza o peregrino vestido com trapos, roupas que parecem com pétalas que passaram por um moinho de espinhos.

Mais a frente encontra o arrogante, que olha para o peregrino com um desprezo ainda maior. O peregrino apenas olha meio desconfiado e prossegue, na esperança de encontrar alguém que possa dar uma rosa.

Ele vê ao longe um homem de branco com uma pequena mala na mão, está á pé, anda rápido e com um olhar sério, é um medico, ele precisa atender um doente com uma medida muito grande de urgência, sua projeção mental é toda concentrada em salvar aquela pobre alma moribunda, ele vê o peregrino, para e olha para o estado em que se encontra aquele viajante. E o peregrino sorri estende a mão e dá aquela rosa branca.  O médico sorri, aceita o presente, sabe que naquela pureza da rosa há um poder de alegria e satisfação, agradece e prossegue seu destino. O peregrino acena e diz

- Compartilha as pétalas com teus companheiros e com os trabalham no Corpo de Bombeiros.

Mais a frente o peregrino encontra uma professora, ela está carregando uma mala grande, cheia de livros, que fardo pesado! carregando dicionários e enciclopédias, ela tem uma face que revela cansaço, mas ainda consegue sorri. O peregrino estende a rosa vermelha para ela e diz:

- Essa rosa é o símbolo do sacrifício, ofereço-te de presente.

 E ela manifesta uma expressão ainda mais feliz, pois sabe que naquela linda flor há o símbolo do sacrifício pela causa de uma missão tão nobre. Então ela agradece e prossegue seu destino.

Mais a frente, o peregrino encontra um político em um palanque carregando um saco de promessas, um sorriso disfarçado e olha para o peregrino meio assustado.

Sem mais pensar, o peregrino toma a rosa negra e lhe entrega...

 

C. J. JACINTO