OS PÁSSAROS CANTAM NA
CHUVA
Manhã de setembro: A
estação ainda é inverno, a luz da aurora traz os primeiros contornos de
montanhas verdes azuladas, o céu está cinza, pelo frescor do ar sentimos que a
umidade é prenúncio de chuvas.
Meus olhos: ainda recém
abertos, saindo do mundo do sono, contemplam o mundo do novo dia, a seqüência
de meus sentimentos é ouvir e o que ouço são barulhos celestes, a chuva começa
a cair, e com ela as névoas penetram no espaço a minha volta e em seguida,
celebrando o dia que chegou, pássaros cantam.
Esses ternos cânticos audíveis
em presenças longínquas, caracterizam a vida e faz germinar no coração a
nostalgia e a solidão, aquela saudade prodiga que fica sempre escondida dentro
de nós e emerge quando a ocasião é oportuna.
É meu coração quem
fala, eu permaneço em silêncio, procurando o tédio por trás da neblina, e, por
motivos tão pessoais, levar consigo o sentimento de irritação: Dia de chuva.
Meu coração parece
transbordar de felicidade, mas em mim cresce na outra margem de mim mesmo a
irritação, e os ouvidos continuam atentos, pos os pássaros cantam,. e o que
realmente isso significa para mim.
Na dualidade de meu
interior, percorrem as duas fluentes sentimentais, uma e outra numa guerra
constante que não pode ser apaziguada. O canto de um pássaro mais próximo, a
alegria das chuvas, as asas molhadas, o frio úmido das manhãs, o vento que
parece tão chato, meus sapatos molhados, e a continua sinfonia que quebra as
náuseas da alma, a deriva, uma voz que desliza pelas gotas, como se elas fossem
sinapses navegáveis, onde o som pula até chegar aos meus ouvidos.
Meu coração se alegra,
mas ainda assim há dentro de mim uma tristeza, e nessa síntese de sentimentos,
eu mesmo me encontro na encruzilhada interior, e preciso fazer uma escolha:
Sorrir ou chorar.
Sete horas da manhã: é
um dia chuvoso, uma completitude de ser oposto, águas que afogam meus
sentimentos, me sinto fraco como uma folha arrancada pelo tempo, desprendida da
altitude para fenecer calma no chão tumular.
Na sombra gelada das
florestas o ribombar de trovões dos
lançam luzes que assustam as sombras, as que se encontram dentro e fora
de mim. Uma permuta misteriosa entre o coração e as nuvens, a troca das lágrimas humanas pelas goteiras dos lamaçais:
um refúgio nas quimeras de meus olhos.
O meu coração que pulsa
e bater, intranqüilo nas quermesses de vasto campo confuso que é a minha
memória, eu me lembro que os pássaros que cantam, fazem por instinto de
gratidão.
Pois nos ramos das árvores mais robustas, entre os ramos e as folhas, os pássaros encharcados
cantam para as chuvas dançarem, e eu? Apenas choro por alimentos que se efetuam
pelos sentimentos, uma raiva medonha que assombra meu coração assustado: é dia
de chuva.
Quando ouço a música invernal, quase um eco que se perfura entre a solidão e o cansaço, sentado na
vida a espera da chuva passar, a sinfonia de pardais é tão confusa, se xingam
ou discutem as chuvas inteiras ou apenas o gotejar sob suas penas, não sei:
quero o sol.
Eu retenho as dores do
fardo, dia chuvoso, como um cuco-jacobino, sedento aos milênios, trancafiado
dentro de mim, esse coração sedento, como a samaritana do poço de Jacó, abre a
abertura bucal o coração, e bebe das gotas pares e ímpares das nuvens que repousam
as sombras marítimas sob minha cabeça.
Viagem da alma pelo
túnel da memória quando a orquestra do
Saci cantava por trás dos montes e eu ouvia na tarde chuvosa aquele tom
dantesco de quem oprimia meu coração até o ponto de ebulição de chagas, e tudo
era tão bem traduzido o canto dele
(Tempo triste)
(tempo triste)
(Tempo triste)
A voz antiga de minha
vovó que ouvia comigo, aquela canção do pássaro que por trás de colinas
distantes, uma distancia cósmica entre todos os meus sentimentos, que de doce
memória, jaz ente dentro de mim, que feliz lembrança minha voz dizia:
- o Saci está
anunciando que alguém morreu. Pois ele está cantando:
(Tempo triste)
(Tempo triste)
(Tempo triste)
E era à tarde das
chuvas, e eu na infância conhecia o pêsame, quando ouvia trêmulo essa canção
(tempo triste) que anunciava a vontade de chorar assim eu também chovia por
dentro, para encharcar a minha alma de lagrimas de tristeza.
Descobri a mecânica dos
sentimentos, que chorar é bom, se não fosse à experiência da transcendência do
belo, a radical postura de que uma alegria extrema também faz o coração chorar,
não seria compreendida.
Um dia de chuva
abastece os mananciais, cantar na chuva abastece o coração de alegria, então
precisei reajustar o coração para ouvir os pássaros da tarde, aquele misterioso
cântico que para os antigos era
tristeza, tornou-se alegria
Jaz, porém a memória
como uma voz indissolúvel, aquele cantarolar solitário por trás das campinas do
entardecer, a perpétua sinfonia da minha infância:
(Tempo triste)
(Tempo triste)
(Tempo Triste)
Autor: Clavio J.
Jacinto
Extraído de: Contos Ordinários
e Extraordinários
Direitos Reservados.
0 comentários:
Postar um comentário