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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

OS PÁSSAROS CANTAM NA CHUVA

 

OS PÁSSAROS CANTAM NA CHUVA

 

Manhã de setembro: A estação ainda é inverno, a luz da aurora traz os primeiros contornos de montanhas verdes azuladas, o céu está cinza, pelo frescor do ar sentimos que a umidade é prenúncio de chuvas.

Meus olhos: ainda recém abertos, saindo do mundo do sono, contemplam o mundo do novo dia, a seqüência de meus sentimentos é ouvir e o que ouço são barulhos celestes, a chuva começa a cair, e com ela as névoas penetram no espaço a minha volta e em seguida, celebrando o dia que chegou, pássaros cantam.

Esses ternos cânticos audíveis em presenças longínquas, caracterizam a vida e faz germinar no coração a nostalgia e a solidão, aquela saudade prodiga que fica sempre escondida dentro de nós e emerge quando a ocasião é oportuna.

É meu coração quem fala, eu permaneço em silêncio, procurando o tédio por trás da neblina, e, por motivos tão pessoais, levar consigo o sentimento de irritação: Dia de chuva.

Meu coração parece transbordar de felicidade, mas em mim cresce na outra margem de mim mesmo a irritação, e os ouvidos continuam atentos, pos os pássaros cantam,. e o que realmente isso significa para mim.

Na dualidade de meu interior, percorrem as duas fluentes sentimentais, uma e outra numa guerra constante que não pode ser apaziguada. O canto de um pássaro mais próximo, a alegria das chuvas, as asas molhadas, o frio úmido das manhãs, o vento que parece tão chato, meus sapatos molhados, e a continua sinfonia que quebra as náuseas da alma, a deriva, uma voz que desliza pelas gotas, como se elas fossem sinapses navegáveis, onde o som pula até chegar aos meus ouvidos.

Meu coração se alegra, mas ainda assim há dentro de mim uma tristeza, e nessa síntese de sentimentos, eu mesmo me encontro na encruzilhada interior, e preciso fazer uma escolha: Sorrir ou chorar.

Sete horas da manhã: é um dia chuvoso, uma completitude de ser oposto, águas que afogam meus sentimentos, me sinto fraco como uma folha arrancada pelo tempo, desprendida da altitude para fenecer calma no chão tumular.

Na sombra gelada das florestas o ribombar de trovões dos  lançam luzes que assustam as sombras, as que se encontram dentro e fora de mim. Uma permuta misteriosa entre o coração e as nuvens, a troca das lágrimas humanas pelas goteiras dos lamaçais:  um refúgio nas quimeras de meus olhos.

O meu coração que pulsa e bater, intranqüilo nas quermesses de vasto campo confuso que é a minha memória, eu me lembro que os pássaros que cantam, fazem por instinto de gratidão.

Pois nos ramos das árvores mais robustas, entre os ramos e as folhas, os pássaros encharcados cantam para as chuvas dançarem, e eu? Apenas choro por alimentos que se efetuam pelos sentimentos, uma raiva medonha que assombra meu coração assustado: é dia de chuva.

Quando ouço a música invernal, quase um eco que se perfura entre a solidão e o cansaço, sentado na vida a espera da chuva passar, a sinfonia de pardais é tão confusa, se xingam ou discutem as chuvas inteiras ou apenas o gotejar sob suas penas, não sei: quero o sol.

Eu retenho as dores do fardo, dia chuvoso, como um cuco-jacobino, sedento aos milênios, trancafiado dentro de mim, esse coração sedento, como a samaritana do poço de Jacó, abre a abertura bucal o coração, e bebe das gotas pares e ímpares das nuvens que repousam as sombras marítimas sob minha cabeça.

Viagem da alma pelo túnel da memória quando a orquestra  do Saci cantava por trás dos montes e eu ouvia na tarde chuvosa aquele tom dantesco de quem oprimia meu coração até o ponto de ebulição de chagas, e tudo era tão bem traduzido o canto dele

(Tempo triste)

(tempo triste)

(Tempo triste)

A voz antiga de minha vovó que ouvia comigo, aquela canção do pássaro que por trás de colinas distantes, uma distancia cósmica entre todos os meus sentimentos, que de doce memória, jaz ente dentro de mim, que feliz lembrança minha voz dizia:

- o Saci está anunciando que alguém morreu. Pois ele está cantando:

(Tempo triste)

(Tempo triste)

(Tempo triste)

E era à tarde das chuvas, e eu na infância conhecia o pêsame, quando ouvia trêmulo essa canção (tempo triste) que anunciava a vontade de chorar assim eu também chovia por dentro, para encharcar a minha alma de lagrimas de tristeza.

 

Descobri a mecânica dos sentimentos, que chorar é bom, se não fosse à experiência da transcendência do belo, a radical postura de que uma alegria extrema também faz o coração chorar, não seria compreendida.

Um dia de chuva abastece os mananciais, cantar na chuva abastece o coração de alegria, então precisei reajustar o coração para ouvir os pássaros da tarde, aquele misterioso cântico que para os antigos  era tristeza, tornou-se alegria

 

Jaz, porém a memória como uma voz indissolúvel, aquele cantarolar solitário por trás das campinas do entardecer, a perpétua sinfonia da minha infância:

(Tempo triste)

(Tempo triste)

(Tempo Triste)

 

Autor: Clavio J. Jacinto

Extraído de: Contos Ordinários e Extraordinários

Direitos Reservados.

 

 

 

 

 

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