A MARCHA DOS INFANTES
C. J. Jacinto.
Uma criança, meio
adulto e meio mendigo, a pausa diante de um olhar diante da abertura de um
túnel que levava para o outro lado da montanha, um vale desconhecido aos olhos
infantes alimentado por um coração que sofria com a fome da aventura. Um lugar estranho,
crianças e mais crianças, meio adulto meio infantes, maltrapilhos e mão sujas.
Um planeta sem orbita fixa, um lugar nenhum fixo no espaço e no tempo. No
coração, uma encruzilhada, deveria ou não entrar pela boca do túnel? á sua
frente, um infinito de escuridão, nem mesmo um lampejo, nenhuma estrela
pulsante e nem mesmo a alma de um pirilampo, apenas um mar de escuridão,
sombras acústicas e talvez teias de aranhas presas no naufrágio de todas as
ausências, pois a escuridão rouba a forma das coisas e transforma as coisas num
nada.
Pois então, a criança
vai entrar, mas antes, precisava acender uma vela, e ateando fogo ao pavio, a
chama flamejante parece ser um pequeno sol a refletir nos olhos negros de uma
face suja e fofa, uma criança e a coragem de um adulto, um passo a frente e
outro, e a invasão, a quebra da barreira da escuridão espessa, pelo menos
alguns centímetros a sua volta, o suficiente para dar o próximo passo, e então
á direita e a esquerda, dezenas de crianças sentadas nos dois cantos, uma a uma, a mais ou menos avançando a cada metro
de distância, e em suas mãos. Uma vela, não acesa, criaturinhas inocentes nas
sombras de uma existência escassa, inquieta, misteriosa, nas turbulências da
existência. Então nosso corajoso herói, com uma luz acesa nas mãos, vai e
começa a compartilhar o fogo e a luz, e cada criança que recebe, se levanta,
com uma vela acesa nas mãos, e uma após outra, cada um ajudando a expandir o
fogo e a luz, seguem numa marcha triunfal sobre a escuridão que antes reinava
naquele recinto tubular, e uma apos outra na marcha seguindo a primeira
criança, um grande exercito de infantes corajosos, é a queda das trevas, a
derrota do império das sombras, ouve-se os passos de um grande numero de
crianças, uma após outra com a luz radiante que absorve cada metro sombrio. A
marcha durou um pouco mais de uma hora e a surpresa veio no fim do túnel,
quando deram entrada ao final da trajetória no outro lado, no vale, que por
sinal era extenso e era também sombrio.
Mas vela após vela, cada uma acesa em cada mão direita que segurava o fogo
errante e vivo, os seus milhares, o vale se acendeu como se fosse uma aurora
caminhante, um exercito de estrelas terrenas, unidas na correnteza de um adeus
as sombras, para fazer com que a luz
triunfe sobre as circunstancias malditas da morte de todas as formas.
A união de todas as
chamas, como a vertente de vulcão vivo cuspindo fogo, a revolução de um
amanhecer que avança tenazmente sobre a madrugada fria e longa, a ponderar que
as fagulhas fervem sobre o orvalho e a floresta revela seus segredos na
linguagem dos pássaros que cantam os mistérios da linguagem harmônica do pulsar
da vida.
O momento da
ressurreição da esperança daquelas crianças acorrentadas pelos grilhões da
escuridão, cada uma delas, em sorrisos agudos e transparentes, como as rosas
que desabrocham no jardim depois da tempestade ou como o arco-iris mais sublime
que injeta as cores no ar, como um artista invisível que pinta os fragmentos da
luz nas esquinas do espaço e do tempo. Elas cantam.
Da canção orquestrada
pela alegria de sentir a luz e a beleza das formas ainda aquelas mais
primitivas, como as samambaias e as suas folhas que dançam ao vento.
Dos mistérios da vida
que procede a luz, o sol que a criança recebe como herança e até a velhice ainda
continua iluminar seus passos até a morte, aquelas velas queimavam mas não
havia desgastes repentinos, algo tão enigmático quanto a luz que atravessa as
entranhas mais profundas do universo e repousa sobre os olhos que contemplam as
estrelas mais distantes da noite.
Assim reunidas em
círculos, àquelas crianças queriam saber quem era aquela pessoa de cabelos grisalhos,
em pé sustentados por uma bengala, as mãos fracas onde as células sofriam
abalos sísmicos da carne envelhecida pela idade avançada, olhavam a cena tão
triste daquele ancião que tentava erguer a própria vida no escombro do tempo, a
entropia das horas que se transformavam de momento a momento em passado, até
tornar-se tão remoto, que o berço nascente era um acontecimento longínquo
perdido nas eras mais primitivas de todas as saudades.
Os grãos da vida sendo
debulhados por seqüências, e a espiga nua sofrendo a frieza de um despojo
inevitável, as crianças admiradas diante de tão flácida criatura gemendo, cada
uma delas se compadecendo por sentir a parte humana que lhes comunicava pelo
fato.
A decifração do enigma
de tão estranho acontecimento, o medo de tornar-se como aquela criatura, a
primeira criança a acender a luz, a seguir por instinto a liderança sob as
demais resolveu retornar pelo túnel e voltar a sua antiga civilização, e dando
meia volta, todas as outras a seguem, e em silencio marcham num retorno épico
para o antigo mundo de onde partiram, e a passos largos, como quem segue
fugindo do medo, repelem a própria sombra e corre para buscar abrigo, cada uma
delas retorna.
Uma marcha silenciosa e
inquieta, a pressão dos sentimentos espessos como as sombras afugentadas, reunia
cada uma delas todas as forças necessárias para o regresso. E, num transtorno
de miragens intimas, sentiam o cansaço agudo a tocar no coração que disparava
em batidas cardíacas tão intensas que parecia a vida se colapsar de fadigas.
Passaram-se os minutos
e as horas e enfim, chegaram ao destino que já foi uma partida, e muito
cansadas, cada uma delas, chegou ao lado de cá da vida, e retirando de suas
bolsas, cada uma delas, um espelho. Antes porem lavaram seus rostos carregado
de fuligens, e ao limparem a face, erguendo o espelho descobrem, cada uma
delas, que estavam velhas...
Extraído do livro:
Contos Ordinários e Extraordinários
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