Pages

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Tear de Sonhos

 


 

O tempo da terra, areia retumbante

Tece augusta alfazema perfumada

Penumbra de neblina na manhã gelada

Afrescos de audácias e aromas pulsantes

Sem náusea: a borboleta desperta

Transformações Secretas

Revoluções profundas: Um sonho

O casulo é o enigma da vida escondida

Fios de palha e mares remotos

Dormência de cais e as dores

No tear da vida que aquece o lume

Nos campos, rosas gencianas e violetas

Voa libélulas atrozes e épicas borboletas

As sombras pintam nuances coloridas

Desperta a vida, lavanda e jasmim

Um sonho de vida

O amor vivo revestido de esperança

Minha alma tranqüila flutuando


CJJ

Exilio

 

Exílio

 

Meu sonho desceu ao exílio do coração ali meu sonho recebeu audácia.  A esperança não deixa o sonho adormecer dentro de nós. Meu sonho encontra a saudade, pois o coração que guarda boas memórias não deixa ela morrer. Peregrinando, encontra a resiliência.   Mesmo diante das tempestades nas profundezas intimas, sei que elas passam, mas os sonhos permanecem. O arco-íris é o sonho dos temporais. O tempo envelhece nossos anelos, mas a esperança renova todas as coisas.  O coração está povoado de exilados. No céu do coração, meus anseios voam enquanto o desanimo rasteja tentando arrancar as jóias do otimismo.  Que os sonhos sejam ornamentados com elas, pois quando voltar do exílio, emergindo como o sol nascente, trará consigo  aplausos. Quem sonha com coragem, encontra forças para sair do exílio interior com aspirações renovadas. A grandeza da vida é a libertação de todas as virtudes.


CJJ

 

 

sábado, 24 de setembro de 2022

Sem Exilio

 

Sem Exílio

 

Ouvi dos prados o pranto

Feridos Sentimentos espinhosos

A voz alva em sentinela que dizia:

 

(Amar é a capacidade de sentir o chão da vida. É ali que encontramos as raízes de nossas motivações)

 

(O amor destila sorrisos. Fermenta esperanças. Faz multiplicar as lagrimas. Sorrir chorar e esperar. Esta é a profundidade da vida)

 

(Ao tocar no sentimento ferido com o verdadeiro amor

Concedemos a possibilidade de curar um coração doente)

 

(O amor tem o poder de valorizar o momento, transformando o agora em algo precioso, para que se torne por si mesmo inesquecível)

 

(Quando partires de tempo em tempo. Para viver o novo dia, observa se o amor é teu companheiro de esperança)

 

Clavio J. Jacinto

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

O Emissário das Chuvas

O Emissário das Chuvas

 

C. J Jacinto



Um belo dia de chuva, de tal formosura que chamava as almas ao aconchego, assim poderia ser a descrição daquele abençoado dia do inverno quando a chuva caía no telhado e as árvores da floresta ficavam envolvidas por névoas nupciais.


Por uma senda observei aquele ancião de barbas de nuvens, pelo aspecto parecia muito antigo, carregava uma vestimenta no corpo e ele parecia ainda bem vigoroso, a notar pelos passos firmes que dava e o som das folhas secas quebradas sob seus pés.
Quem seria aquele ser cheio de antiguidades na memória? Uma pergunta que emerge de coração inquiridor que asustenta toda a sabedoria por perguntas e respostas.


Aproximei-me dele, mas o andar do ancião era muito firme, como quem não se cansava e tinha pressa.


-Ei!

 

Gritei, e ele olhou pra mim, sentou-se num pedra abaixo de uma árvore cujo esplendor era difícil de expressar, talvez um ipê roxo, não tenho certeza, pois o ancião então sentado me observando roubava toda a atenção, algo extraordinário para falar a verdade.
Tomei a liberdade e sentei-me ao seu lado, perguntei pelo seu nome, e ele respondeu-me com um olhar fixo e sereno:
- Sou o Emissário das Chuvas, o que deseja?


Fiquei alguns minutos em silêncio, a resposta me deixou um pouco confuso, é isso que ocorre quando algo inesperado acontece, não entendo a reação de ficar desorientado e surpreso  por uma resposta que não esperamos de uma pergunta que fizemos.
Ficamos ali durante um tempo que desconheço, não tinha um relógio, mas conhecer o Emissário das chuvas foi um evento inesquecível. Conversamos mas não rimos, nem um momento. Pode ser que classifique aquele homem como um dos meus melhores amigos ainda que tenha conhecido por pouco tempo, o que corresponde a uma fração mínima da minha existência.

Mas a sua presença e as suas palavras foram suficientes para assegurar a importância do encontro e da pessoa envolvida.
O ancião era o guardião responsável pela distribuição das chuvas em seu reino,  toda a projeção e distribuição das nuvens eram gerenciadas por ele. Assim ele decidia o destino de todas as nuvens e o transporte das chuvas para cada uma das regiões do reino.
A relva do campo e as florestas, o deserto e as montanhas, todas as regiões estavam sob os auspícios do Emissário das Chuvas, assim ele trabalha na decisão onde seria tempo bom e chuvoso.
A primeira lição que notei nele foi a paciência, uma vez que todos os dias ele recebia reclamações vinda de todas as regiões, algumas dessas reclamações eram até mesmo ofensivas, e partiam de pessoas ingratas, vejam que eu mesmo presenciei o fato.


Enquanto ainda estávamos conversando, apareceram dois homens maltrapilhos  que se identificavam como anjos de terra, tinham vindo,  um do norte e outro do sul. O primeiro trouxe uma série de reclamações ofensivas vindo do povo do norte acerca das chuvas que caiam sobre a região, o outro oriundo do sul, trazia  as mesmas reclamações por motivos da ausência de chuvas e dias ensolarados.
O Emissários das Chuvas respondeu que mandaria as nuvens do norte para o sul, e assim resolveria o problema de ambas às regiões.
Dois dias depois apareceram os mesmos mensageiros com reclamações apresentando os mesmos problemas.


Agora, eu mesmo, lamentando tal ocorrido, percebia que as flores desabrocham em sorrisos quando chove, e continuam acesas no brilho da gratidão quando o sol resplandece em um céu azulado.

 A relva no campo parecia ser tão grata todo o tempo. Aqui está outra lição, grandiosa por sinal, já que gratidão e ingratidão são disposições do coração, ver a vida de modo a enxergar todas as coisas como elas devem ser vistas, nos impede de sermos iludidos pelos equívocos conseqüentes da falta de sensibilidade.


Um sentimento de alegria crescia dentro do meu coração, estar ao lado de um ser tão sábio, que ficava  paciente perante os distúrbios psicológicos de gente que não sabia fazer escolhas, de modo paciente, é um problema lidar com pessoas e tentar  agradar providencialmente a todos e não ser acusado de praticar injustiça, tarefa difícil perante almas inquietas que não encontram um sentido para a vida diante de um universo aberto para as virtudes e vícios, alegrias e tragédias, doçuras e amarguras.


O Emissário das Chuvas coordenava um agrupamento de nuvens peregrinas que se destinava a floresta de sândalos,  outro exército de nuvens para a floresta das macieiras.  Precisava administrar com previsão certa uma quantidade enorme de nuvens pesadas, pois não somente as chuvas eram importantes para as macieiras, mas também prover baixas temperaturas, para doar aos futuros frutos, a doçura necessária que germinava pelos recônditos das árvores, doando aos frutos o mel dos campos, para que na maturação, as maçãs ficassem agradáveis e saborosas.

 Mas nessa época de frio intenso,  muitas pavorosas reclamações chegavam até o Emissário das Nuvens, um povo descontente do frio e dias supostamente intermináveis de névoas e nuvens pesadas que causavam a obstrução a luz sol.  Pela administração coerente e bem gerenciada, as nuvens na floresta das macieiras precisavam ficar o tempo suficiente para o propósito, até que fossem enviadas para as campinas das aboboreiras, porquanto neste lugar o sol já ameaçava as plantações extensas, o que causava uma grande revolta dos camponeses que viam ameaçadas, suas plantações. Pouco a pouco, o Emissário das Chuvas abre as comportas celestiais e envia algumas nuvens do tamanho de uma mão de homem, apenas para sinalizar que as chuvas estão sendo providenciadas.


-Tarefa difícil essa sua meu nobre irmão de sabedoria e paciência!


O Emissário das Chuvas ouviu silenciosamente e continuou a selar o destino de muitas nuvens cada qual para o seu destino certo.
Eu olhei ao longe, o vasto campo dos girassóis, era na estação norte, ao sul a floresta de Laranjeiras em flores, e mais ao oeste muito próximo do caminho onde se encontrava um vale extenso cheio de orquídeas, todas agraciadas pelo orvalho celeste que emana da estação da madrugada.


Dentro de mim, uma sensação de libertação, sentia-me como alguém que via os ferrolhos internos sendo quebrados. Os mistérios da providência e o ciclo das águas,  as florestas em  orquestras silenciosas, árvores não falam, mas elas nos ensinam a grandeza pelo silêncio. O quebrar do santuário em tons de rosas e lilases, aromas e cores vitais, pássaros cantando anunciando as manhãs ensolaradas e as tardes chuvosas, e nada disso é profanação, é apenas a manifestação, o mover das engrenagens da existência, e eu apenas olhando o por do sol, sem vontade de ir embora, descobri que o maior tesouro que nos enriquece não é uma carga que nós oprime, mas uma libertação de tudo o que nós escraviza, a gratidão de ser e de contemplar os mistérios gratificantes da vida emerge da fonte da simplicidade.

 

Eu e o Emissário das Chuvas tínhamos a certeza de que as ações bondosas são providas de um sentimento de satisfação pessoal, o homem bom, não depende do reconhecimento alheio para agir, ele age de acordo com a natureza do seu coração, a bondade verdadeira, quando é praticada, produz em si mesma, o sentimento necessário para que a felicidade não dependa da gratidão dos outros.

 

Extraído de Contos Ordinários e Extraordinários



 


quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A Distância Entre o Presente e o Agora

 


A Distância Entre o Presente e o Agora

 

C. J. Jacinto



  A maioria chamou o acontecimento de fatalidade, mas a opinião de fato era divergente entre alguns. A queda da civilização foi conseqüência de um blecaute moral. Bem, falar sobre um apocalipse tão genérico é complicado, mas os setores envolvidos são de memória curta, então os divergentes eram sobreviventes que queriam promover um bode expiatório, para justificar a má conduta que defenderam.
O inverno rigoroso tinha chegado, um grupo de sobreviventes ao redor de uma fogueira de livros tentavam atravessar a noite fria,  estavam discutindo a permanência na cidade em escombros, o mais novo, um ex-estudante universitário estava relutante quanto à escolha, seu nome era Urias.


O grupo era chamado de tribalcaim,   sobreviventes vivendo na floresta de Megido, norte do oriente.
Urias estava pensativo naquela noite, quando o rosto era iluminado pelas chamas daquela fogueira.  A noite e o dia estavam mesclados por causa de nuvens carregadas e misteriosamente as cores desapareceram, tudo era cinza e preto.
Naquele mundo estranho, o único som era o crepitar das chamas, um mundo preto e branco como um filme antigo, os sobreviventes perderam a voz, o que restava era um individualismo frio, onde cada um se comunicava por escrita mental essa comunicação predominava no mundo pós-apocaliptico,era o pensamento escrito no coração audível como a voz dos antigos humanos, assim Urias pensava naquele momento:
(Estão queimando os livros de escritores russos, lamentável, os escritores russos parecem ter o poder de penetrar na natureza humana para expor publicamente os sentimentos e a decadência dos homens). Urias tomou uma capa solta da fogueira, era do livro "A Tortura da Carne" e guardou-a no bolso da jaqueta de couro.


Levantou-se e foi perambular pela mata, a noite parecia mergulhar dentro de sua alma, sentia a palha seca quebrar debaixo de seus passos, o cheiro da noite morta, um odor de desânimo e incertezas, como o andar solitário sempre faz germinar o monólogo silencioso, o solilóquio da solitude,  então Urias pensou:


(A morte da civilização ressuscitou a minha vontade de compreender a vida, agora só posso compreender a mim mesmo, o mistério que perdura diante de tudo o que é incompreensível)


Num mundo preto e branco, tonalidades que oscilam entre as ausências, o pesar é uma dor que a alma precisa suportar. A experiência de quem já observou as cores, é quase insuportável, a nostalgia de poder olhar para o passado e tentar ver o colorido das flores do campo nas campinas das lembranças, tentar dispor de todas as tonalidades do arco-íris e aplicá-los no mundo do faz de conta exigia um esforço interior muito grande.


Urias então pensou:


(Uma perda não consiste da ausência do que tínhamos acesso, consistem em não ter acesso real as coisas que temos posse)


Olhou para trás ao longe viu a fogueira, um pálido flamejar e resolveu voltar.


Sentou-se próximo a fogueira até o clarear pálido de um dia cinzento e monótono, sem a estrela da manhã, sem pássaros cantando sem o barulho de crianças, afinal de contas, não havia pássaros e nem crianças.
Urias deixou a turma, cada um seguia seu rumo alguns iam para a cidade, passavam o dia em busca de livros e outros materiais de papel para queimá-los à noite, outros, entre eles, Urias, vagavam pelos campos em busca de alimentos, frutos silvestres  ou enlatados em casas abandonadas e destruídas.
Urias vivia em um mundo pálido, uma realidade daltônica ou uma ilusão viva, não sei como descrever esse cenário, mas era o mundo mais sem graça que existia. A monotonia existencial impele a alma a chorar pela vida,  é um pesar náufrago a achar o fim do caminho antes da chegada.
Nesse mundo insólito, a colheita era o fruto da insensibilidade, um sonho dentro de um espaço dos que se perderam dentro das próprias paixões. Preto e branco, como fotografia de tempos perdidos no tempo.


No percorrer do espaço interior, onde os pensamentos nascem e morrem se acendem e se apagam, Urias irriga com sentimentos de nostalgia o seu próprio desânimo, fustigando a alma ferida com os espinhos da monotonia.


Ele pensa:


(A solidão é um espelho e o silêncio a voz de todas as ausências, e por ambas, percebemos a nós mesmos e confrontamos os mistérios da vida)


As cinzas da vida tingiram o mundo de monotonia cáustica, o fogo estranho crepita com chamas escuras,  a vida cíclica, envolta no processo de perambular em dias quase noturnos e noites que se rompem com as chamas de fogueiras de livros. Um sistema rígido e fechado, uma prisão, Urias compreende isso:


(Se escolhemos fechar a nossa vida para as maiores virtudes, então desceremos para os mais obscuros calabouços de todos os vícios)


Novamente pensa e percorre os olhos do coração para lembrar-se do mundo original:


(O tempo é um muro que aprisiona a saudade dentro de nós e o presente torna-se uma masmorra para quem deseja viver do passado)


Nosso personagem chora as dores de todos os homens, e num relance de desespero corre a esmo seguindo seu instinto,  a noite corre com ele, e por onde seguem seus passos, a escuridão noturna o persegue, e de momento a momento, a materialização de todas as frações, sem um cantar do galo a madrugada agoniza, Urias está cansado, em campo aberto, num vale relvado, atônito, vê uma brecha de nuvens, uma luz do sol atravessa a atmosfera do céu a terra, como o véu que se rasga de alto a baixo, um feixe de luz que ilumina uma rosa púrpura bem a frente dele. Seus olhos brilham, depois de centenas de anos sem enxergar as cores da vida, uma rosa púrpura é revelada da realidade para dentro da sua consciência, ele está enxergando, se prostra diante do cenário, apanha a rosa, e sai correndo e gritando a sua libertação da monotonia, mas ao abrir os olhos, estava fora do foco da luz do sol, tão longe quanto é a distância entre o aqui e um sonho, e olhando para a rosa em suas mãos, viu que ela negra, tão negra como uma lua morta,  sepultada no jazigo de todos os desesperos.


Urias chorou...

 

Extraído de: Contos Ordinários e extraordinários






 

 

O Tear de Névoas

 

 


O Tear de Névoas




C. J. Jacinto




Dois pequenos reinos existiam ao sul do meridional norte, eram opostos em valores, o primeiro chamava-se pradator e era um pequeno campo com alguns prados e um rio, chamado Pisio, que irrigava todos os seus contornos. O rio serpenteava todo o Reino e então mergulhava para o profundo da terra, assim surgia e assim terminava seu curso sobre Pradator. O reino era cheio de flores, videiras, macieiras, cerejeiras, castanheiras, e seu rei, um homem cheio de virtudes.


O outro reino é um território pantanoso, cheio de árvores mortas, um lugar onde as Névoas repousam como se fossem lápides de sombras. Ali também um rei reinava, um homem cheio de orgulho, inveja e ódio. O nome do reino era Lutum, um lugar que hospedava a lama e or orgulho das sombras. Sei rei era notável por sua decadência moral e suas tendências egoístas. Aliás, basta que um homem transborde em orgulho para que as sementes de todas as outras malícias cresçam dentro do proprio coração.


Os dois reinos eram singulares, não havia súditos, os reis eram solitários, viviam numa solidão pessoal porem o coração era povoado de sentimentos pensamentos e desejos, mas no caso do rei de Pradator, ele cultivava o campo, assistia o comércio das borboletas e abelhas, transportando pólen, as formigas carregando pedaços de folhas, havia a colheita de amoras silvestres, as uvas e a fabricação do vinho no lagar e o por do sol seguida da noite cuja escuridão, empurrava as estrelas para trás dos prados enquanto os pirilampos passeavam pra lá e pra cá.


O rei dos pântanos vivia escondido nas sombras e nas Névoas,  aquele lugar parecia ser o jazigo de uma noite eterna.
O contraste dos dois mundos, tão perto e tão distantes,  e cada rei satisfeito no seu reino. A apreciação do mundo exterior é antes um reflexo da vida interior.


Mas um dia, emergiu possante os tentáculos da inveja no coração do rei dos pântanos, sua revolta se deu ao subir em uma das árvores mortas e ver os prados floridos e as florestas de castanheiras , ipês amarelos e as videiras que revestiam algumas pequenas colinas de Pradator.


Ele armou-se com sua lança de ossos e revestiu-se com sua armadura rústica de couros. Seu intento era invadir e matar o rei de Pradator para tomar posse de tudo e anexar ao seu pântano.
A notícia, porém chegou aos ouvidos do Rei de Pradator que ouviu os pensamentos que o coração do rei do pântano dizia  e se preparou para o iminente confronto, tomou sua lança de prata, vestiu a sua armadura de bronze e calçou seus sapatos de cobre. Os pássaros cantavam tristezas, nuvens escuras começaram a cobrir o céu azul de Pradator, as abelhas e as borboletas se esconderam, as flores tomaram seus perfumes e as árvores frutíferas esconderam seus frutos. Tudo parecia se retrair perante a presença sombria das intenções do rei do pântano. Um coração que se escurece pela inveja torna-se uma alma miserável, essa era a condição do rei de Lutum,  assim o conflito era iminente e inevitável.


Os dois reis se encontraram no vale de Arkon, território de Pradator, o rei do pântano era o invasor e o outro o defensor.
Infringiram ambos, ataques, mas o rei de Pradator perdeu sua lança de prata, o que segundo a lei dos nobres, era o perdedor, perder as armas era considerado como perder a própria vida, da mesma forma como entendemos hoje que perder o ânimo de viver e perder a gratidão pela existência.


O rei de Pradator então saiu cabisbaixo da batalha, entregou o reino ao vencedor e desceu para o abismo dos mares.
Solitária alma no fundo de um oceano de prantos, ali estava o rei derrotado, porquanto o vitorioso rei de Lutum com sua lança de ossos feria os carvalhos e as videiras, as abelhas e as flores choravam, as estrelas se escondiam por trás dos prados, as borboletas se refugiam nas penhas,  a terra sangra, o sofrimento é o fim do mundo.


O rei do pântano toma um pergaminho, e vai narrar sua vitória, absurdo obsoleto que os inimigos dos fatos escrevam a história, a vitória é apócrifa quando a maldade deseja descrever sua luta insólita contra a bondade.


Acaso podem as trevas dominar a luz? As demandas da vida real ensinam que elas subsistem na ausência dela.


Pradator sofreria uma metamorfose inversa, da matriz de todas as estações se transformaria em um pântano sombrio? Aos olhos de quem não contempla as flores toda a sombra parece uma obra de arte, e se a luz revela a alma da beleza, a escuridão apenas esconde todas as suas formas. Só uma alma doente pode deleitar-se com a mentira, pois o homem bom sempre sofrerá quando ela reina sobre os outros homens.


O rei de Pradator precisa reagir,  e frente à carcaça de um navio que jaz na inércia de um naufrágio súbito,  como uma estrela do mar, quer seguir rente a praia, e como o sol, quer punir a madrugada fria com a luz possante do amanhecer, a aurora e a ressurreição de uma tarde que dormiu no túmulo da noite.
É preciso ter coragem, pois em dias tenebrosos a coragem é a virtude que abre o caminho da esperança, a coragem é uma grande virtude que não cabe em corações mesquinhos. O rei de Pradator tinha um coração nobre, e reage ante a situação, entra no seu reino devastado, encontra a sua lança de prata jogada no lamaçal das lágrimas das nuvens. Ele toma a lança, procura o seu inimigo, e ao encontrá-lo grita em desafio, pois vai enfrentar novamente o rei das trevas o senhor de Lutum.


O rei do pântano se surpreende pela coragem do retorno do seu adversário, e com uma risada sarcástica avança furioso contra o rei de Pradator. Porém a luta tornou-se acirrada, e finalmente o rei do pântano recebeu um golpe fatal, sua lança caiu longe, o rei vitorioso correu até o artefato de ossos, e tomando uma espada, despedaçou-a completamente, o rei do pântano soltou um grito agonizante, correu para o seu trono e afundou na lama fétida do seu obscuro reino lamacento. Lutum é o luto da morte eterna


Répteis e bichos peçonhentos imergiram na lama com ele, naufrágio de todas as maledicências, mergulho de todos os assombros.


O pântano começou a secar-se, naufragava para o abismo de onde saiu, pássaros de Pradator começaram a  levar sementes ao solo ressequido do reino morto, beija flores molhavam suas asas no rio Pisio e iam até lá para baterem suas asas molhadas e irrigar a terra seca do jazigo das lamas ressecadas,resquícios de um reino que se foi,  e o deserto floresceu, o rei de Pradator anexou todas as terras conquistadas ao seu reino, as borboletas saíram de seus esconderijos, a vida voltou ao normal, a luz triunfou sobre as trevas, a beleza sobre a feiúra, a verdade sobre a mentira.
Até hoje, Pradator é um reino de força, crianças vieram para habitar no reino bem aventurado, Pradator tornou-se uma referência na importação de virtudes como coragem e resiliência, e através da magnífica história do seu reino, cabe aos historiadores falarem sobre o poder do amor sobre a inveja, e da humildade sobre o orgulho.


Extraido de:  Contos Ordinarios e Extraordinarios

 

sábado, 10 de setembro de 2022

Livro Grátis: Metamorfose (Poemas)


Links Para Download:


EPUB:

https://drive.google.com/file/d/1km1SjyFKC9ZjQdO_RK3wF4jI8OgpGpuI/view?usp=sharing

 PDF:

https://doceru.com/doc/nnensvcs

MOBI:
https://doceru.com/doc/nnensvce


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

OS PÁSSAROS CANTAM NA CHUVA

 

OS PÁSSAROS CANTAM NA CHUVA

 

Manhã de setembro: A estação ainda é inverno, a luz da aurora traz os primeiros contornos de montanhas verdes azuladas, o céu está cinza, pelo frescor do ar sentimos que a umidade é prenúncio de chuvas.

Meus olhos: ainda recém abertos, saindo do mundo do sono, contemplam o mundo do novo dia, a seqüência de meus sentimentos é ouvir e o que ouço são barulhos celestes, a chuva começa a cair, e com ela as névoas penetram no espaço a minha volta e em seguida, celebrando o dia que chegou, pássaros cantam.

Esses ternos cânticos audíveis em presenças longínquas, caracterizam a vida e faz germinar no coração a nostalgia e a solidão, aquela saudade prodiga que fica sempre escondida dentro de nós e emerge quando a ocasião é oportuna.

É meu coração quem fala, eu permaneço em silêncio, procurando o tédio por trás da neblina, e, por motivos tão pessoais, levar consigo o sentimento de irritação: Dia de chuva.

Meu coração parece transbordar de felicidade, mas em mim cresce na outra margem de mim mesmo a irritação, e os ouvidos continuam atentos, pos os pássaros cantam,. e o que realmente isso significa para mim.

Na dualidade de meu interior, percorrem as duas fluentes sentimentais, uma e outra numa guerra constante que não pode ser apaziguada. O canto de um pássaro mais próximo, a alegria das chuvas, as asas molhadas, o frio úmido das manhãs, o vento que parece tão chato, meus sapatos molhados, e a continua sinfonia que quebra as náuseas da alma, a deriva, uma voz que desliza pelas gotas, como se elas fossem sinapses navegáveis, onde o som pula até chegar aos meus ouvidos.

Meu coração se alegra, mas ainda assim há dentro de mim uma tristeza, e nessa síntese de sentimentos, eu mesmo me encontro na encruzilhada interior, e preciso fazer uma escolha: Sorrir ou chorar.

Sete horas da manhã: é um dia chuvoso, uma completitude de ser oposto, águas que afogam meus sentimentos, me sinto fraco como uma folha arrancada pelo tempo, desprendida da altitude para fenecer calma no chão tumular.

Na sombra gelada das florestas o ribombar de trovões dos  lançam luzes que assustam as sombras, as que se encontram dentro e fora de mim. Uma permuta misteriosa entre o coração e as nuvens, a troca das lágrimas humanas pelas goteiras dos lamaçais:  um refúgio nas quimeras de meus olhos.

O meu coração que pulsa e bater, intranqüilo nas quermesses de vasto campo confuso que é a minha memória, eu me lembro que os pássaros que cantam, fazem por instinto de gratidão.

Pois nos ramos das árvores mais robustas, entre os ramos e as folhas, os pássaros encharcados cantam para as chuvas dançarem, e eu? Apenas choro por alimentos que se efetuam pelos sentimentos, uma raiva medonha que assombra meu coração assustado: é dia de chuva.

Quando ouço a música invernal, quase um eco que se perfura entre a solidão e o cansaço, sentado na vida a espera da chuva passar, a sinfonia de pardais é tão confusa, se xingam ou discutem as chuvas inteiras ou apenas o gotejar sob suas penas, não sei: quero o sol.

Eu retenho as dores do fardo, dia chuvoso, como um cuco-jacobino, sedento aos milênios, trancafiado dentro de mim, esse coração sedento, como a samaritana do poço de Jacó, abre a abertura bucal o coração, e bebe das gotas pares e ímpares das nuvens que repousam as sombras marítimas sob minha cabeça.

Viagem da alma pelo túnel da memória quando a orquestra  do Saci cantava por trás dos montes e eu ouvia na tarde chuvosa aquele tom dantesco de quem oprimia meu coração até o ponto de ebulição de chagas, e tudo era tão bem traduzido o canto dele

(Tempo triste)

(tempo triste)

(Tempo triste)

A voz antiga de minha vovó que ouvia comigo, aquela canção do pássaro que por trás de colinas distantes, uma distancia cósmica entre todos os meus sentimentos, que de doce memória, jaz ente dentro de mim, que feliz lembrança minha voz dizia:

- o Saci está anunciando que alguém morreu. Pois ele está cantando:

(Tempo triste)

(Tempo triste)

(Tempo triste)

E era à tarde das chuvas, e eu na infância conhecia o pêsame, quando ouvia trêmulo essa canção (tempo triste) que anunciava a vontade de chorar assim eu também chovia por dentro, para encharcar a minha alma de lagrimas de tristeza.

 

Descobri a mecânica dos sentimentos, que chorar é bom, se não fosse à experiência da transcendência do belo, a radical postura de que uma alegria extrema também faz o coração chorar, não seria compreendida.

Um dia de chuva abastece os mananciais, cantar na chuva abastece o coração de alegria, então precisei reajustar o coração para ouvir os pássaros da tarde, aquele misterioso cântico que para os antigos  era tristeza, tornou-se alegria

 

Jaz, porém a memória como uma voz indissolúvel, aquele cantarolar solitário por trás das campinas do entardecer, a perpétua sinfonia da minha infância:

(Tempo triste)

(Tempo triste)

(Tempo Triste)

 

Autor: Clavio J. Jacinto

Extraído de: Contos Ordinários e Extraordinários

Direitos Reservados.

 

 

 

 

 

O Outro Lado do Espelho

 


O Outro Lado do Espelho



Elnoke estava penteando o cabelo diante do espelho no banheiro, atividade rotineira após o banho da noite, num lapso de segundos seu corpo caiu inerte no chão e sua alma foi sugada para dentro do mundo inverso e misterioso do espelho que estava a sua frente, consciente e assustado percebeu a própria alma flutuando num universo unidimensional a olhar o próprio corpo inerte no chão no outro lado, ele tinha deixado seu mundo real e  tridimensional. Era um acontecimento factual, inusitado, sem o consentimento próprio, uma fatalidade desesperadora, tentou retornar, mas não conseguia sair daquele universo silencioso, misterioso e frio, um mundo de todas as inversões. A começar, sentia que a sua alma asfixiada, um lugar que oprimia tudo dentro de um plano unidimensional  O senso de localização o norte parecia ser o sul e o sul norte,  a impressão de que não podia mover-se para frente e para trás, mas apenas deslizar-se para cima e para baixo  como grudado a uma parede de vidro.

 

Algo extremamente estranho e agonizante.


Um anseio de voltar ao mundo normal emergiu do coração de Elnoke, mas como? É impossível viver em um mundo de coisas invertidas, nas entranhas desse espaço monótono o tempo retrocedia ao invés de avançar, e da maturidade passava para uma infância sem lógica, até tornar-se um espermatozóide, uma decadência do senso comum, um processo de retrocesso, um caos, quando as coisas parecem sair da sua ordem normal.

Ele pensou como pode um homem viver fora da lógica da ordem primaria em que as coisas existem para funcionar.


Mas Elnoke conhecia seu mundo real, viveu nele, seu corpo interagia com as funções de um universo verdadeiro,  agora estava ali, na agonia das coisas contrárias,  olhou atrás de si viu o sabonete, mas já não era um sabonete, mas etenobas, que nome estranho, e que artefato estranho, sem cheiro, só uma forma aparente, se tomasse sua identidade, seria agora seu nome "Ekonle" que insolência!  A função da vida é manter as coisas na ordem lógica de suas funções verdadeiras, o mundo não subsiste pela ilusão e nem pode permanecer real pelo engano. Essa é a lei para a vida, a cosmovisão percorre a biogênese e permanece como a lei da unidade recíproca para manter a ordemcda continuidade.

Permanecer num mundo de coisas insólitas e contrárias á verdade e cometer um suicídio existencial.
E então, o que fazer? Elnoke mergulha no deslize abaixo que parece ser pra cima. Seu mundo parecia de cabeça pra baixo, como as funções de seus olhos fossem alteradas, de baixo pra cima e de cima para baixo, que loucura, lembra-se de maçãs, e o que antes amava, agora odiava, pelo menos ainda tinha um resquício de sentimento se é que era sentimento, talvez apenas repulsa, maçãs eram objetos obsoletos sem sabor naquele mundo, e ainda sem calor e sem frio, Como seria a água do mar? Afinal há pessoas e um mar? ou apenas reflexos delas, sem vida, sem sonhos, sem ideais. Que coisa complicada, a flutuação levou o pobre homem que é só alma, para um mundo escuro, um lugar que o espelho não alcança, então precisou voltar, para a posição geográfica onde o espelho reflete a realidade.


No desespero de sair daquele mundo perturbado cheio de contrários e imitações, onde o verde ainda era verde e o branco ainda branco, onde a luz brilha e retorna na a natureza sua fonte como luz, sem sofrer alterações nos fundamentos da essência em que existe, Elnoke nota que a luz consegue sair fora do mundo avesso no enigma do universo do reflexo, mas uma alma na sua natureza insípida e apagada permanece ali naquele duplo imaterial de contradições, um jazigo onde absolutos, essências e realidades ficam expostos a gravitação de todas as decadências. Vejamos o mundo dos sentimentos, essa força de oposição de um universo alienado, símbolo da ausência de todos os princípios, o mal pode ser chamado de bem, o ato pode parir a morte, a mentira pode ecoar como uma verdade, pois o inverso sempre será uma contradição, a tese e a antítese não se misturam no mundo real, se isso ocorrer, há um colapso no sentido da realidade do algo, mas no mundo do espelho as coisas podem ser invertidas, mas essa é a inversão dentro da ilusão.


Elnoke lutava contra uma dissonância cognitiva, o ser favorável num mundo ilusório ao que seria oposição no mundo real, então há uma luta interior, sua personalidade que é interior precisa corresponder-se ao reflexo do que é, e neste ponto, o da imagem que corresponde a realidade, o reflexo ainda transmite uma verdade, mas ao refletir a palavra escrita, há uma violação semântica, um homicídio do sentido e da conexão dos significados reais.


Não pode existir essa distorção no mundo real, a imagem da cruz por exemplo deve corresponder a sua essência semântica , o termo "zurc" não corresponde a imagem, a quebra da harmonia entre fato e verdade é potencialmente destrutivo , o mundo das inversões em que Elnoke estava, destruía todo o sistema semântico, e então comprometia a sua própria identidade, ele era em imagem, mas ninguém mais o conhecia pelo sua identidade verbal.


Elnoke percebia a impossibilidade de viver nesse universo inverso, a importância de ter um corpo com as sensações e todos os mecanismos biológicos que interagem com o mundo físico. Acima de tudo viver dentro de realidades objetivas, a verdade imponente como principio aplicado a cada fator tal como é.
O universo dentro do espelho era apenas uma imitação do mundo, não o real, tinha algumas verdades refletidas, mas eram subjetivas e sem essência. Uma fotografia móvel, mas sem realidade. Uma maçã  tinha aparência de maçã, mas não tinha qualquer sabor, e no que diz respeito às virtudes mais elevadas elas não existiam. Apenas imagens, e Elnoke estava asfixiado em um sistema sem sensibilidade, pois a sensibilidade é o que mantém o coração conectado com a essência  de todas as coisas.


Por trás da realidade, a vida do pobre homem preso ao reflexo deixava uma advertência: Quem na ilusão enxerga a verdade encontra a esperança e quem na verdade enxerga a ilusão é tentado a perdição.
Elnoke percebia isso, além do mais notava que perdia todos os seus sentimentos, a noção do instinto do ser parecia a única coisa dentro de si.


O espelho é um universo ambíguo, pois e capaz de revelar o sorriso de um rosto e ao mesmo tempo esconder a tristeza do próprio coração.
A experiência de um mundo com forma projetada de imitação não de realidade objetiva tornou-se um perigo.


A realidade mostra a beleza das flores e o perfume de cada uma delas, o mundo do reflexo está condicionado a mostrar a aparência das flores e nada mais.
Ele precisava se livrar daquela prisão, onde não podia mudar nada, ninguém consegue alcançar a felicidade sem mudar as coisas a sua volta, um universo asfixiado por fatos e ambigüidades,  a luta de Elnoke era a libertação, libertar-se de uma condição servil de alienação, precisava voltar ao corpo, integrar-se novamente ao mundo real, nada mais do que uma transcendência aos fatos, sem, contudo perder a visão metafísica da existência.

Quando perdemos o sentido da verdade nunca alcançamos uma utopia, pelo contrario percorremos o caminho da destruição


Elnoke batia forte pelo lado de dentro tentando quebrar o espelho e sair, mas era como um impotente diante da luta por libertação precisava da ajuda de algo ou alguém que pudesse entrar e sair daquele mundo estranho. Só então notou pela janela, uma estrela forte, o planeta Vênus, trazendo atrás de si um fulgor, era a aurora, e com ela o sol resplandecente que bateu sobre o espelho, e sua luz entrando e saindo, Elnoke agarrou-se sobre partículas e ondas, e conseguiu sair daquele universo obsoleto, o corpo em estado de inércia recebeu novamente a consciência, Elnoke olha para o espelho e vira as costas a ele, é o mundo real que ele deseja, respiração profunda, o cheiro das flores, a brisa refrescante os pássaros cantando, o sorriso no rosto. É a vida como deve ser vivida e os fatos como devem ser aceitos.

 

Extraído de: Contos Ordinários e Extraordinários

Autor: Clavio J. Jacinto

Direitos reservados.




 

Flores Sem Primavera

 


Flores Sem Primavera



É uma norma de a vida acreditar ser  muito difícil viver uma vida isolada. Pois bem, a história que vou narrar é totalmente desprovida de algo ordinário, digo assim pois se trata de uma estória peculiar, porém anormal. Ela se dá num campo de altitudes, típico desses planaltos cujo cume parece unir em matrimônio noturno flores e estrelas. E não seria inédita a narrativa, se não estivesse desprovida de atitudes solenes, como supor que o orvalho são lágrimas de flores solitárias.

Uma lavanda azul vivia no campo de altitude numa montanha chamada Karmon. Sua tristeza era visível ao coração que observa o significado profundo dos mistérios, as borboletas e as abelhas não vinham visitá-la, muito menos ainda os beija-flores. Não sei se percebermos, mas a complexidade da existência começa quando não encontramos a sintonia com as coisas que complementam o sentido e a resposta pelo qual existimos e estamos neste mundo. Quem sabe um perfumista alcançaria as alturas, mas isso é uma aventura cujo papel na nossa vida desempenha os alpinistas. E, se as respostas fossem encontradas?

Naquela manhã de inverno, no mar congelado de relvas verdejantes, o que se ouvia era um ruído acústico do vento cortante. Gramíneas conversavam sorrindo, não se sabe o que, mas estavam felizes.

Havia duas pequenas árvores ao lado, e numa noite de sonâmbulos, cravaram um diálogo na noite, quebrando o silêncio do lugar. A árvore mais velha, retorcida, calva de poucas folhas, ressequida pelo tempo, numa voz rouca, mas vigorosa, explicava a mais nova que as árvores do cume eram nobres por causa da maneira como enfrentam toda sorte de intempéries, e insistem em viver os desafios de todas as tempestades
- A vida meu pequeno e novo companheiro consiste em viver a dureza da existência das alturas, e depois ter a possibilidade de servir a uma causa ainda mais elevada. Somos madeiras cobiçadas pelos homens, eles nos procuram nós temos a virtude da dureza, então podemos ser úteis para os fins que exigem resistência e durabilidade.


A árvore mais nova tremia ao ouvir tantas coisas, mas se sentia feliz.

E as pedras? Sim as pedras apenas viviam a vida nas alturas, eram quase eternas, todas as noites olhavam imóveis para as estrelas e viviam fixas como as estrelas que gostavam de contemplar.


Entre o frio e as chuvas o sol e a luz do luar, faziam votos de um perene silêncio ante o belo e o misterioso.


Voltemos a nossa pequena flor solitária, ora, as lavandas e alfazemas viviam em abundância lá embaixo nas campinas e vales. A fragilidade quando encontra as circunstâncias que exigem coragem, torna-se valente pela ternura. O amor sendo o mais doce dos sentimentos suporta as mais amargas traições. O desafio da existência é o ser sem ser observado, mas isso não impede que a vida seja vivida com um propósito.  Muitas flores vivem a beira do caminho, mas ela só torna-se especial para os que perceberam que elas estavam ali, não no no caminho mas na vida, há uma diferença enorme entre algo que é por causa do existir em si mesmo e o que é, por causa da existência dentro de nós, o que transcende para dentro do nosso coração torna-se a excelência da nossa afeição.


A tristeza da solidão é a mais difícil de superar, então ser uma flor sem abelhas, sem borboletas e sem beija-flores é um modo de ser limitado pela inquietação das ausências, o silêncio da solidão tem todas as friezas da tristeza, é algo extremamente doloroso, mas também é fértil.

A vida não é feita de quimeras complicadas, é feita de coisas simples e valorosas, mas é necessário que se tenha percepção dessas coisas valiosas, é possível ter tantas coisas fora de nós, e o coração vazio de alegria,  o contrário também é fato, e possível ter poucas posses e ter o coração cheio de alegria. E às vezes devo ser franco em admitir que uma flor que desabrocha faz de um dia qualquer dia especial e de um momento simples em um acontecimento extraordinário, no universo todas as coisas são projetadas com um propósito.



O Karmon ao longe parecia imponente, mas um alpinista subiu até o cume, ele estava em busca de paisagens arrebatadoras e experiências profundas.
Passeava pelos campos de altitudes com uma máquina fotográfica e um coração aberto. Muitas vezes os homens andam com os olhos abertos, mas o coração permanece fechado para a verdade.


O alpinista encontra a solitária lavanda azul. Os olhos de Admiração se abriram, uma solitária flor do vale revestida de uma das mais raras virtudes, a coragem. O belo não é frágil, pelo contrário, precisa ser forte para permanecer belo em um mundo de horrores. Assim como os bondosos são mais fortes, pois é necessário coragem para exercer a bondade em um mundo cheio de maldade,  o ser bondoso é um herói quando insiste em praticar a bondade aos corações mais ingratos, assim como as flores não desistem de serem flores porque os insensíveis pisam sobre elas.


Ainda surpreso com o achado, retira da mochila a sua câmara fotográfica e tira uma foto espetacular de uma lavanda azul em contraste com a relva cinzenta e as pedras daquele lugar.  Difícil explicar quando você encontra algo que é normal no vale, mas que é extraordinário nas alturas  Onde nosso coração escolhe viver, ali mesmo a alma torna-se ordinária ou extraordinária. O alpinista olha para o relógio, percebe o entardecer e se prepara para descer o Karmon. Alguns dias depois, a foto que ele tirou recebe uma moldura e vira um quadro para decorar o palácio de um rei.  Que a erva no campo tem seus encantos não há dúvidas, porém a arte de viver uma vida extraordinária é a missão dos que desejam ultrapassar os limites das possibilidades e impor a si mesmo a coragem de enfrentar os desafios que a vida oferece. 

 

Autor: C. J. Jacinto

Extraído de: Contos Ordinários e Extraordinários

Direitos Reservados