O Despertar do Paraíso
Em um deserto vasto, erguia-se uma imponente figueira, sob a qual um peregrino,
a cada entardecer, estabelecia seu acampamento para o pernoite. Ele portava
consigo um antigo volume, fonte de meditação sobre um destino singular e a
incessante busca pelo sentido da existência. Todas as noites, sob o manto
estrelado, acendia seu modesto candeeiro e, à sua tênue luz, dedicava-se à
leitura de algumas páginas. Por longos e incontáveis anos, não houve outro
livro em suas mãos senão aquele exemplar único e intensamente manuseado, cujas
páginas, já amareladas, evidenciavam a passagem do tempo e a constância de sua
leitura. Era este o renomado “O Deserto dos Tártaros”.
Sua existência era marcada pela solidão. Órfão desde a tenra idade, por
iniciativa própria decidiu explorar os confins mais inóspitos e remotos do
planeta. Dada a constante necessidade de resguardar-se, elegeu uma figueira
como refúgio noturno, buscando proteção contra o orvalho gélido das noites
desérticas. Sua vida era intrinsecamente dedicada à introspecção; ele refletia
mais do que proferia, dada a ausência de interlocutores para compartilhar
pensamentos ou dialogar. Sua existência, rica em valiosos tesouros interiores,
alicerçava-se em uma interioridade profunda, onde albergava uma percepção
ilimitada de seu próprio ser. Embora consciente da perene companhia da solidão,
não se deixava abater por tal condição. Encontrava nos grãos de areia do
deserto e no cintilar das estrelas celestes um peculiar lenitivo para sua
solitude.
Durante muitos anos, aquele ancião, já envolto em vestes esfarrapadas,
percorria as vastas extensões do deserto, ora internando-se na frondosa
floresta, ora cruzando as campinas em busca de flores. Sua existência tornou-se
progressivamente mais solitária, e foi nesse isolamento que ele passou a
decifrar a linguagem das flores, das estrelas e das árvores. Sua comunicação
com elas era tão intrínseca quanto sua própria rotina. Tratava-se de um
intercâmbio que transcendia a imaginação comum, um diálogo interior profundo
que emanava do cerne de seu ser. Uma linguagem acessível apenas àqueles dotados
de uma sensibilidade extraordinariamente aguçada, permitindo-lhes interagir de
forma que não seria percebida como insanidade pelos observadores externos
Em um dia singular, transpondo o limiar do horizonte, o peregrino adentrou uma
floresta e dali ascendeu a um cume adjacente, a fim de contemplar a vastidão do
vale que se estendia, a perder de vista, em distâncias que aos olhos se
afiguravam infinitas. Permaneceu ali por um período, e logo nuvens incipientemente
se desenharam na longínqua extensão do firmamento, no quadrante onde a Estrela
Polar indica o norte. Essas nuvens, paulatina e suavemente, aproximavam-se,
agrupando-se a outras, tal qual blocos de algodão, atraídas por uma força
ignota. Observando a cena, o peregrino testemunhou a confluência de múltiplos
cúmulos, até que o firmamento, em sua totalidade, estivesse envolvido por uma
camada compacta e sombria. Dela ressoava, para além daquela cortina etérea, um
estrondo longínquo, como se uma maquinaria colossal, forjada de gelo e fogo,
operasse nas profundezas da abóbada celeste.
Quando as primeiras gotas de chuva principiaram a cair, banhando o campo, as
árvores e as flores, ele sentiu, por uma intuição profunda, que toda a natureza
– desde as flores e as árvores até a relva – se deleitava com aquelas gotas
celestes que caíam sobre as copas e irrigavam o vale, as montanhas e os campos.
Um regozijo palpável pairava no ar: a exultação das árvores, da relva, das
flores silvestres e das que se abriam nas copas de algumas árvores.
Então, elevando o olhar para as nuvens, interpelou-as: "Ó nuvens, por que
não sois conduzidas ao deserto onde habito, para que lá possais irrigar também,
com vossas chuvas celestes, a vastidão arenosa, e o deserto possa vicejar em
flor? Assim, poderei viver à sombra de uma figueira e contemplar, do meu
refúgio, as outrora áridas campinas, para que floresçam e as sementes germinem.
Que, onde me encontro, surjam prados verdejantes, repletos de flores
silvestres, e o aroma inebriante de seus perfumes me envolva nas noites em que
contemplo as estrelas."
Responderam
as nuvens ao peregrino: "Sim, iremos, mas antes é crucial que transmitas
as nossas diretrizes ao vento. Dir-lhe-ás que deverá recolher sementes de todas
as florestas e de todas as campinas, e as leve, para que repousem sobre o
deserto onde habitas. Após o vento acatar as tuas ordens e transportar as
sementes para o deserto onde habitas, então nós, enfim, iremos e derramaremos
nossas lágrimas celestes sobre a terra seca e árida daquele ermo. Consequentemente,
as sementes germinarão."
O peregrino elevou sua voz aos ventos,
aqueles que sopram do sul, os ventos impetuosos. A eles pediu: "Ó ventos,
peço-vos que, ao atravessardes a floresta, recolhais inúmeras sementes, sementes
que germinem sobre o deserto. Percorrei os eucaliptos, as acácias, as
palmeiras, as embaúbas, os flamboyants, as acácias, os jacarandás, os anjicos,
as magnólias, as cerejeiras e os pessegueiros, e disseminai as sementes.
Convidai os pássaros a voarem em vossas asas, para que também eles transportem
e lancem muitas sementes sobre o deserto, sobre a minha morada, sobre o refúgio
da minha esperança. Que ele floresça, que eu possa habitar em meio às flores, e
desfrutar dos perfumes e dos aromas dos frutos maduros."
Do alto da esfera celeste, exalou-se um sopro sutil, um véu de ar, e com ele
iniciou-se o movimento dos ventos. Estes, adentrando a floresta e as planícies,
recolheram em seu curso outras brisas. As aves, guiadas pelas correntes aéreas,
impulsionavam em voo suas asas e bicos, carregando consigo numerosas e valiosas
sementes. O vento alcançou então o deserto, o deserto que abrigava o peregrino.
Inúmeras sementes foram dispersas sobre a areia e as dunas, em quantidades
incontáveis. Em todas as direções, a vista abrangia a variedade de cores das
sementes, provenientes de árvores e flores. Todo o deserto se viu coberto por
elas. Em seguida ao sopro do vento, chegaram as nuvens. Carregadas de um peso
silencioso, e sentindo sede, hauriram água em abundância do mar, e após
saciarem essa necessidade, dirigiram-se ao deserto, onde iniciaram seu pranto.
Despejaram ali suas lágrimas, seu suor, suas águas, em um fluxo torrencial,
tamanha a abundância, que o deserto inteiro se encharcou, foi totalmente irrigado.
O peregrino, observando, contemplava admirado este espetáculo da natureza.
Após algumas semanas, as primeiras flores silvestres desabrocharam e as primeiras videiras se espalharam pela areia do deserto. Diversas árvores, ainda em fase inicial de crescimento, começaram a surgir, e o deserto inteiro demonstrava sinais de vida. Um evento incomum, algo magnífico, estava em curso, e o viajante observava, maravilhado, como o deserto outrora amarelo era gradualmente tomado por um mar de vegetação verdejante que se estendia até o horizonte, perdendo-se de vista.
O tempo decorreu, e o deserto deu lugar a uma vasta floresta, exuberante de flores e frutos. Era um refúgio de alegria, um pomar de árvores frutíferas, onde o peregrino experimentou uma profunda metamorfose. Antes limitado à contemplação noturna das estrelas, escalando montanhas para melhor apreciar a vastidão celeste, ele deixou de ser um simples viajante. Agora, dedicava-se à colheita, colhendo flores e frutos em abundância.
Mais do que isso, vivia uma vida de contemplação ainda mais intensa. A
floresta, antes deserto, fora transformada pela beleza das flores e pela
fartura dos frutos, impulsionada pela força da natureza e pelo desejo humano. O
anseio de um homem que outrora peregrinava pelo deserto, desejando a
transformação do mundo, concretizou-se.
Quando o
mundo se transforma, aqueles que alimentaram o desejo por essa mudança são os
primeiros a desfrutar da profunda bênção que a vida pode oferecer. Essa
experiência é reservada àqueles que carregam em seus corações o profundo anseio
por um progresso contínuo, visando um futuro ainda mais promissor.
Desde então, o céu ressoava com o canto
dos anjos sobre a floresta exuberante, adornada por frutos e flores. As abelhas
ali construíram suas colmeias, e a floresta passou a oferecer mel em fartura. O
mais notável, contudo, foi o surgimento de pessoas. Indivíduos famintos, cuja
existência o peregrino desconhecia, foram atraídos pela abundância. Em busca de
alimento, saciaram sua fome com os frutos generosos, e crianças também se
juntaram a eles. A floresta se transformou em um santuário de vida, abrigando
não só a flora e a fauna, mas também a humanidade. Homens, mulheres e crianças,
impulsionados pela fome, encontraram na floresta o sustento, trocando-o pelos
frutos saborosos.
Ao testemunhar essa efervescência de vida, de esperança e de satisfação, o
peregrino sentiu-se imerso em um movimento que conduzia à alegria. Essa
experiência tornou-se uma lição valiosa para o homem outrora solitário. Agora,
cercado por outros, desfrutava da comunicação e da convivência. A solidão
desaparecera em meio às flores e árvores, em meio aos campos verdejantes e
floridos. Talvez tenha sido esse o principal catalisador para que o peregrino
vivesse o restante de seus dias em plena felicidade, encontrando na alegria
alheia a satisfação que lhe proporcionava a completa realização.
C. J. Jacinto
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