Oficina de Nuvens
Não choveu durante todo o inverno, um mistério quase indecifrável, não
encontramos nuvens no céu, todo o infinito de um canto a outro é azul, um
profundo azul que foge de nossos olhos, e a noite cada estrela dança
livremente. Brilham como filhotes de fogo perambulando pelo oceano silêncioso
do céu noturno. Nesse mundo místico as ervas gemem, mas não conseguem chorar
flores, a estação árida impede a oblação das águas. As fontes estão vazias, tão
vazias quanto o firmamento sem fundo, onde os vestidos das galáxias estão
ausentes, esse amontoado infinito de algodão flutuante, que absorve a alma dos
oceanos e derrama sobre a terra como uma criança chorando por sentir a ausência
dos pais foi recolhido do céu, serviço temporário de Serafins, que com
engrenagens invisíveis conseguem arrastar até às mais distantes estrelas do
céu. Atrás de uma cadeia de montanhas mais ao norte da terra dos prados, um
aglomerado de nuvens repousam num pequeno vale, entre dois rios que se cruzam
com águas cristalinas e campos de flores silvestres. Meia dúzia de homens em
uniformes amarelos trabalham dia e noite para reparar nuvens quebradas ou que
apresentam problemas de mecânica celestial. Tal é a profissão piedosa
daqueles homens encerrados num tarefa de concertar as engrenagens quebradas das
nuvens que transportam as férteis águas do firmamento para irrigar os campos e
as florestas e o movimento cíclico das águas. A imensa responsabilidade de cada
homem daquela oficina fantástica a manter as engrenagens funcionando, me chamou
a atenção, principalmente aquele homem de quase quatro metros de altura
pintando uma Nimbus de cinza com tonalidades bem escuras, no mesmo local um
anão de óculos azulados explicava para outro anão que quando as engrenagens das
nuvens se desencaixam produzem estrondos e soltam faíscas despertando a fúria
dos ventos Adormecidos nos cumes dos montes, é a harmonia das coisas
silenciosas que se rompem produzindo tremores eólicos. Outra nuvem retorcida
pelo vento repousava lentamente na oficina, era um Cumulonimbus, avariada pela
quantidade enorme de granizo que carregava sobrecarregada, rompia suas margens
espalhando granizo pelos vales. Dois homens de quase três metros descarregaram
a nuvem avariada para em seguida fazer os reparos necessários, remendar as
partes rasgadas para logo recarregá-las e enviá-las para o Pólo Norte. Noite e
dia, as atividades nunca eram suspensas, nuvens do mundo todo chegavam para
serem consertadas, ao longe podiam ser observados os lampejos das soldas nas
nuvens mais avariadas, o barulho de trovões , eram comuns, ecos que
atravessavam as montanhas e assustavam a noite. Pareciam motores em testes,
misturados com homens cantando até às profundezas da madrugada músicas
orquestradas para assustar o sono manter os mecânicos acordados em meio a
tantas tarefas a serem realizadas.
Uma nuvem iridescente desce lentamente em um dos galpões sem tetos, feitos na
medida para receberem nuvens avariadas, é uma Nacreous, filhas de auroras
boreais, peregrinas nórdicas estrelas flutuantes no oceano atmosférico. Meia
dúzia de anciãos estavam à espera dela, um dos anciãos faziam encenações com os
braços, como se desse a Nacreous todas as orientações de pouso. Adiante, a arte
celeste em campo aberto estendidas sobre a relva a formação de uma
Kelvin-Helmholtz. Era algo pré-histórico, acústico e fenomenal, ondas ou
ganchos para apanhar os anéis de Saturno ou qualquer estrela errante
peregrinando nos caminhos sagrados da ascensão. O corpo místico das rosas e
seus espinhos ondulados como um mar revolto buscando um berço nórdico
para descansar no silêncio sacro de um céu acrílico incrustados de rubis e
gemas acesas. Havia também um galpão para manutenção de nuvens médias como
a Altostratus, nesse recinto, as nuvens recebiam as engrenagens novas
quando rompidas pelos ventos e temporais. Nada poderia ser tão belo naquela
atividade barulhenta de lidar com nuvens quebradas, afinal de contas, as
nuvens são sonhos libertos que flutuam além da nossa admiração. Num magnífico
entardecer elas estão lá no alto , pintadas de brasas vermelhas numa imensidão
azul que pouco a pouco vai cedendo ao mar escuro por onde navegam as mais
distantes estrelas e a lua repousa numa peregrinação oscilante como se fosse
uma laranja untada de lágrimas nostálgicas. Lá estão nossos heróis envolvidos
na tarefa de manter as nuvens correndo no espaço sagrado da nossa existência,
permitindo que as nuvens levem chuvas e sombras em todos os lugares para
garantir a irrigação dos campos e o descanso dos peregrinos da terra. Sem
descanso, noite e dia, lá estão os homens a trabalharem na manutenção épica
dessas massas polidas de algodão singelo, como ilhas flutuantes no oceano
cósmico da atmosfera terrestre, levando aos mais distantes recônditos do
mundo as chuvas e colorindo os céus de outono com uma tintura pálida de cinza
um branco cor de véu e absorvendo o fogo solar para ornar o firmamento de um áureo
esplendor na alma do amanhecer e do anoitecer, e nós pobres mortais perdoamos
todo o barulho mecânico daquelas oficinas porque amamos contar as nuvens e armazená-las
na nossa memória para carregá-las para o mundo de nossos sonhos.
C. J. Jacinto
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