O mundo imaginário faz fronteira com o mundo dos sonhos, e foi lá que fiz meu passeio na ultima noite, cheguei ali na praia das pérolas, uma imensa faixa de areia ao norte do mar polar, onde o céu permanece rubro por longos meses. Uma brisa fria se misturava com o cheiro do sal enquanto as ondas se movimentavam como uma eterna sinfonia, todas as gerações de homens se desfazem perante o movimento dos mares e aquele rumor típico de um motor acústico que se abate sobre os grãos de areia, como uma estrela que se amortece na queda.
Nesse mundo imaginário, onde poetas passeiam e os cantores dançam, lugar onde crianças perambulam como multidões incontáveis de seres que conhecem tão bem este lugar, estava eu, sublime olhar entre o vento, a nave de meu coração flutua, um pulsar de emoções uma explosão de ideias.
Oh! Quantas pérolas douradas, me sentia em uma nova infância, uma viagem ao passado, na sensação quase inocente onde parecia que aquelas arvores de natal cheia de bolas acrílicas estavam adormecidas naquele lugar esperando o mês de dezembro.
Mas eram pérolas, milhões delas sobre a praia, uma exposição de galáxias de espelhos que refletiam a luz possante do sol. Eu queria todas as pérolas, e enchendo as mãos pensava num meio de sair daquele lugar sem passar pela decepção de acordar com as mãos vazias.
Foi então que percebi um choro, um lamento suave, um fluir sonoro de dores, olhei muito atento tentado descobrir quem estava sofrendo, e bem próximo aos meus olhos, ali estava uma concha, e dentro dela um ser quase informe, uma espécie de alma, fixa como a tinta no calcário, vivendo dentro de uma fortaleza em duas metades que se abrem e se fecham para a vida, uma espécie de desabrochar para as aflições, uma abertura da vida frágil para os tormentos da existência.
Se o molusco chora, bivalve acorrentado pela tristeza, também deve falar, pensei, e me ajoelhando, vi o pequeno ser que parecia feito de lágrimas congeladas pelas tribulações, soltando gemidos mas não disse sequer uma palavra, apenas um movimento de angustia sacra, numa luta efetiva, num movimento dinâmico de desespero por ter sido ferida por um agudo grão de areia que rasga como a espada que transpassou Cristo no Calvário, perpetuando porém uma ânsia de morte, como se a formação de uma pérola fosse mais importante que a morte, como se a lapidação fosse a suma da vida.
Naquela tarde, vi a minha própria indignidade e devolvi todas as pérolas que tina em mãos, jogando-as novamente na areia. Eu pensava comigo, quanto tempo estava àquela criatura na reclusão gemendo quase uma eternidade para formar todas aquelas pérolas? Parecia um ser que existe para tomar para si todas as dores do mundo, sem nunca se cansar das chagas que atormentam a vida. Um herói feito de fragilidades, numa dança quase cósmica na beira da praia a competir com o numero de grãos de areia, a quantidade de pérolas, E se cada uma delas, no brilho que multiplica á outra, somasse todos os “ais” necessários, um ribombar ecoaria pelo universo e assustaria todas as estrelas.
Não tive palavras para descrever essa ressonância de amofinações que tecia a tapeçaria de todos os transtornos. A continuidade daquelas dores, que numa existência caustica se sentia feliz por cada pérola que nascia num parto naufrago, estabelecido por gritos e marcados por cicatrizes que selavam o destino de nossos sonhos.
Eu tentava entender a filosofia dessas aflições que produziam pérolas dentro de um ser tão frágil e inocente, era como se parte de mim mesmo tentasse fugir para o alto, pois as estrelas não precisam das dores para brilhar. Então, porque as pérolas nascem na dor para refletir a luz das estrelas?
A vida torna-se um enigma não pelo sorriso, mas pelas aflições. Não pelo conforto mas pelo confronto, não pelo aconchego mas pelos espinhos, pois no útero das dificuldades mais intensas as letras de um poema pegam fogo, a luz da sabedoria parece mais forte quando nasce dentro da humildade, a glória da esperança parece mais radiante quando nasce no sofrimento, e como a mecânica da abobada celeste, num movimento pesado e sofrido consegue remover todas as colunas da noite e custasse um grito de esforço que alcança as profundidades de um ser que agoniza pela conquista, numa resiliência nobre, alcança êxito depois de remover o eixo da escuridão e a luz da aurora na radiância dourada invade a vida, assim estremece minha alma, pois meu coração não entende o sentido da dor, mas se beneficia das bênçãos que ela pode trazer. Eu me levantei, não quero pérolas, quero compartilhar da dor de um molusco solitário dentro de uma concha, percebo a missão da vida, e não se trata de ser feliz pelas posses, mas pelo despojamento delas, e ainda mais, alcançar o propósito da minha existência e entender a causa das dificuldades, pois a minha volta estavam as pedras que nada sentem, elas estão ali imóveis, não reagem se são feridas e não choram o desamparo da própria condição, parece uma condição de plena felicidade, mas elas não produzem pérolas.
Extraído do Livro “Contos Ordinários e extraordinários”
C. J. Jacinto
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