Chuvas da Primavera
C. J. Jacinto
Hoje, o dia apresentou uma singularidade. Apesar de ser uma manhã primaveril, o
canto dos pássaros foi substituído pelo som da chuva a cair sobre o telhado. Um
dia nublado, carregado de águas e da melancolia que as acompanha. Nem mesmo os
trovões, em sua profundidade, conseguiram dissipar essa tristeza que se apegava
às nuvens. Da janela do meu quarto, observei a névoa envolvendo a vegetação,
como um véu. Considero as montanhas semelhantes a esse véu, dissolvendo-se na
imaginação e ocultando os receios que habitam nosso interior. Empunhei meu livro
e, em sua leitura costumeira, busquei uma fuga da melancolia, um portal para
outra dimensão, o universo da imaginação, onde meu coração pudesse interagir
com a narrativa.
Ao término da leitura, a seguinte questão
emerge: enquanto me deleitava com a cena jubilosa nas páginas daquele livro
antigo, outrora silencioso na estante de minha biblioteca, meu coração se
enchia de júbilo. Ao acompanhar a narrativa daquela grande aventura, comecei a
refletir sobre como podemos nos transportar de uma realidade melancólica para
uma fantasia plena de alegria, vivenciando-a de modo tão intenso que a sentimos
real, e nos libertando completamente do cenário original. Onde as sombras da
monotonia, representadas pelas "chuvas", pareciam minar nosso ânimo,
conduzindo-nos a um estado de desânimo e letargia.
Após imergir na melancolia, que, por sua
vez, evoca a nostalgia, poderíamos discorrer sobre o universo que se manifesta
em nosso interior como um renascimento. A melancolia, neste sentido,
permite-nos recordar momentos pretéritos e, com eles, a saudade, uma saudade
intensa. Refiro-me àquela saudade da infância, quando observávamos a chuva e,
nela, vislumbrávamos a felicidade plena, a possibilidade de brincar na lama e
viajar em um mundo aparentemente cinzento, mas que aos olhos infantis
resplandecia em todas as cores. Era como se pudéssemos contemplar o arco-íris,
antes que a tempestade se dissipasse. A percepção de uma criança, de fato,
transcende o instante presente, ultrapassando a realidade imediata e revelando
perspectivas além das fronteiras do espaço e do tempo.
É lastimável que tenhamos perdido essa
perspectiva, essa visão infantil, e, por conseguinte, deixamos de contemplar a
chuva através da janela, incapazes de enxergar nos pingos que caem sobre o
telhado a alegria que outrora nos proporcionavam. Ao invés disso, a tempestade
e as chuvas intensas evocam em nós sentimentos profundos de tristeza, como se o
próprio céu lamentasse conosco. Desta forma, parte de nossa existência se dilui
nesse mar de nostalgia, no qual nos vemos presos, como se um dia chuvoso fosse
um cárcere, uma prisão que impede a nossa alma de transcender o espaço em que
fomos confinados. Com o olhar, percorremos o ambiente, avistando apenas chuva e
névoa, um mundo completamente cinzento, como se a água torrencial banhasse
todas as flores.
Contudo, cumpre ressaltar que, nos
momentos em que, absortos, contemplamos a chuva através da janela e nossa alma
se entrega à melancolia da paisagem, sentindo apenas a nostalgia de um dia
chuvoso, podemos encontrar abrigo nos livros. Ao abrirmos as páginas de uma
obra cativante, nossa mente se transporta para a narrativa, e a lembrança da
infância ressurge. Começamos a vislumbrar um mundo interior, refletido nas
palavras do livro. Um novo universo se revela, repleto de paisagens
deslumbrantes, estrelas cintilantes, flores exuberantes, aromas inebriantes e
alegria. Um mundo de fantasias, que paradoxalmente se manifesta com tamanha
vivacidade a ponto de ofuscar o dia. Uma realidade que permeia nosso amanhecer.
Nesse universo, contemplamos camelos
majestosos, constelações cintilantes e galáxias longínquas. Um mundo onde as
águas do mar encontram a areia, e as conchas parecem sussurrar uma melodia
imaginária, despertando alegria e movimento em nosso ser. Observamos campos
verdejantes, exploramos cidades e vilas, encontrando personagens que moldam
nossas emoções, provocando lágrimas ou sorrisos. Contudo, a transformação é
constante. A rotina se desfaz, dando lugar a um novo universo, onde nossa alma
pode vagar livremente. Encontramos, na narrativa, um espaço para nossa jornada,
enquanto a chuva cai suavemente. Penetramos nesse mundo, explorando-o e nos
tornando parte dele, como se existisse uma dimensão paralela à nossa. Isso nos
leva a refletir sobre os múltiplos aspectos da vida, sobre a possibilidade de
vivermos existências além da nossa, e sobre a vastidão do universo que nos
cerca. Tal qual o universo, nossa alma, um dia, poderá habitar outro espaço, ao
deixarmos este mundo.
Em meio às páginas de um livro antigo, onde um
universo se revela à nossa alma, mesmo que a chuva intensa insista em permear o
nosso dia a dia, a rotina se dissolve, permitindo-nos vislumbrar o mundo dentro
de outro mundo. Uma jornada mística que nos convida à introspecção. É por meio
desse universo que, muitas vezes, devemos trilhar o nosso caminho, buscando a
alegria, enquanto, do lado de fora, na chuva, a tristeza pode nos alcançar.
Talvez seja assim, pois as chuvas são essenciais para o mundo. Contudo, nossa
alma amadurecida pode ter dificuldade em enxergar cores sob a tempestade. Faz
parte da nossa perspectiva, uma visão moldada pelos anos vividos, onde deixamos
para trás as fantasias da infância. Resta-nos, portanto, a esperança, a
esperança que reside em um bom livro, lido na poltrona, ao lado de uma lareira.
Com o fogo a crepitar, página após página, podemos nos encantar com florestas
exuberantes, com o sol a iluminar as árvores, com cachoeiras a cair e com
nuvens a flutuar sem trazer a melancolia da chuva.
Meu sorriso será audaz, amplo como as dobras
de um manto, o manto noturno que cobre miríades de estrelas. É o magistral
relato, a narrativa contida em um livro, de um autor desconhecido, e um mundo
que se revela à minha imaginação. É como se minha mente se expandisse para um
universo distinto, onde minha alma navega e flutua sobre campos de flores
exuberantes. É como se minha alma pudesse apreender todos os aromas, todos os
perfumes, e extasiar-se com as campinas e fontes cristalinas. As ilhas próximas
a mim se apresentam em toda a sua beleza. É como se eu pudesse tocar as
estrelas, e elas iluminassem meu interior, onde minha alma jamais se perturba com
o medo. O medo da escuridão cósmica. Assim, o dia transcorre, e a melancolia é
dissipada por um livro. Um livro que abriga um mundo diferente, uma história
distinta, e quebra a tristeza que por vezes permeia minha vida. Mais do que
isso, permite que a alma viaje às profundezas de um outro cosmos, onde, em vez
de sucumbir à nostalgia de um dia chuvoso, encontro alegria. Uma alegria plena,
completa, ao acompanhar a história narrada por um escritor que nunca conheci e
por um livro que, por muito tempo, permaneceu silencioso em minha biblioteca.