Autor: Clavio J. Jacinto
Uma ilha outrora velada sob névoas durante séculos, apareceu no Atlântico
Norte, um lugar exótico e misterioso, não era uma grande extensão de terra, mas
havia lá uma grande civilização de hábitos distintos. No sul, sobre uma enorme
rocha havia uma enorme fortificação, algo parecido com um mosteiro, mas do
centro erguia-se um farol de luz brilhante e azul.
A grande fortificação chamava-se Biblioteca, milhões de livros arquivados e
manuscritos antigos, os habitantes daquela ilha chamava-se Sonâmbulos, pois
trabalhavam de dia e a noite liam. O repouso daquela gente era a leitura de
livros. Poderia falar sobre a grandeza daquele povo, mas antes devo fazer
menção das características da ilha.
Repleta de árvores, todas frutíferas, não havia sequer uma só espécie que não
desse um fruto delicioso e comestível, além de uma conífera que sobressaia
entre as demais árvores e produzia folhas fosforescente que durante a
noite iluminavam a ilha.
Na ilha permanecia de modo perene a junção de duas estações; a primavera com o
outono. Flores em exuberância e frutos das mais variadas doçuras aromas,
perfumes e cores vivas formavam um ambiente agradável, uma réplica, um
remanescente dos vales paradisíacos do mundo em suas origens.
As praias cheias de conchas e uma areia dourada pássaros das mais variadas
espécies todos coloridos, uns cantam pela manhã, outros ao meio dia
e outros a tarde, uma espécie rara canta a noite, cada sinfonia difere uma da
outra e os Sonâmbulos sabem o horário através dos cantos.
Três árvores existem em abundância no império, a videira, a oliveira e a
figueira, elas produzem seus respectivos frutos, e são a dieta básica dos
Sonâmbulos, além dessas árvores, há outras centenas de espécies, não há
nenhuma planta estéril na ilha, todas produzem frutos deliciosos e flores
extremamente perfumadas, as folhas secas que caem são recolhidas e são usadas
na fabricação de chás e refrescos. Os rios são cheios de pedras preciosas,
Ônix, bdélio e diamantes. Há nos rios, uma espécie de ostra que produz uma
pérola azulada.
Não há na ilha qualquer tipo de serpentes, não tente confundir o lugar com a
Nova Zelândia, também não há insetos nocivos, encontramos lá muitas
abelhas e borboletas, mas jamais devemos confundir a ilha com a Atlântida de
Platão. As montanhas são majestosas e as campinas encapadas de relvas e flores
silvestres, o vento é sempre suave e as nuvens pulverizam todas as regiões com
uma chuva fina que não dura mais do que algumas horas.
Essa descrição paradisíaca desse lugar que parece tão utópico , precisa ainda
de outros pormenores, como a biblioteca que é tão rica com milhares de volumes
clássicos , acessível a todos os habitantes, no céu noturno as estrelas parecem
brasas ardentes a alumiar os contornos da ilha, luzes não faltam para fazer de
cada noite um espetáculo.. e isso é tão necessário para um povo que ama a
leitura e ocupa-se dela como um meio de descanso para a alma.
Não há casas na ilha, os Sonâmbulos se abrigam debaixo das árvores e as vezes a
céu aberto nas campinas relevadas em noites de lua, não há perigo algum quanto
a isso, não há animais ferozes, as temperaturas são amenas e não chove a noite
e quanto aos insetos molestadores, não há por aquelas paragens.
A relação dos animais com os Sonâmbulos e admirável, os pássaros pousam nos
ombros daqueles homens, os ursos pandas brincam com eles.
Os campos estão sempre cheios de alfazemas, flores exuberantes como a Dálias, Rosas e Crisântemos, tem peculiaridades da Ilha, nunca murcham. Durante a noite as flores se fecham e esperam até o aparecimento da estrela da manhã para desabrocharem novamente e liberarem seus doces perfumes. Da mesma forma, as arvores mais lindas florescem e frutificam sempre, a quaresmeira, a cerejeira, o Ipê-roxo, a sequóia, o carvalho real e o sândalo além de muitas outras incontáveis espécies de arvores. Por entre elas vimos muitos sonâmbulos colhendo frutos cantando o Soneto da fidelidade de Vinicius de Moraes ou alguns deles sentados a sombra de uma arvore ao meio dia lendo estórias como Romeu e Julieta ou Pedro e Inês. Aos domingos pela manhã o assunto mais comum são as historias do Evangelho de João.
Os ventos passam pelas folhas que parecem uma espécie de harpa, pois o farfalhar das folhas emitem um som celestial, interessante que durante o dia a musica é mais impressionante enquanto a noite é demasiadamente suave.
Os Sonâmbulos são uma raça despertada para o conhecimento prático, são dedicados a leitura, contemplam a natureza tão graciosa do seu reino, desfrutam de uma paz que já perdura por muitos milênios, um respeito pelas virtudes e cultivam a humildade e a serenidade. Vivem com todas as coisas sem possuir nada, não possuindo nada usufruem de todas as coisas do Império.
O céu do
império dos Sonâmbulos é magnífico! Pois é enfeitado de nuvens noctilucentes e
iridescentes, além do aspecto azul profundo nos dias mais ensolarados. A
grandeza da terra é sua fertilidade e no vale dos eucaliptos que curiosamente
produzem um fruto que tem uma seiva doce e agradável muito consumida nos dias
mais quentes por ter um sabor muito refrescante.
A alegria da vida está na paz, os
habitantes mais antigos crêem que o trabalho enobrece a vida, mas há um certo
aspecto de devoção mais pura e remete a crença num monoteísmo transcendente , a
prática da religião portanto está inserido no contexto prático, na vida
cotidiana e todas as atividades estão conectadas nessa espiritualidade. O
coração do homem é o templo, a sua vida social, a liturgia, e a beleza
é o mistério a ser contemplado como um vínculo que leva a compreensão funcional
do universo.
Por todas as extensões de todas as praias conchas e pérolas das mais variadas cores e brilhos, nas dunas pequenos arbustos com flores minúsculas azuis e roxas e pequenos frutos carnudos de casca amarela e um polpa rosa.
Há uma abundância muito grande de borboletas endêmicas que festejam tão grande quantidade de flores. Há também um boticário na ilha, sua missão e coletar mel, perfumes, cascas aromáticas e folhas medicinais, todos os dias ele se envolve numa alegria pura neste labor.
Há uma
praça no cume do monte mais alto, é um observatório astronômico, todas as vezes
que a estrela da manhã desponta, um vigia em uma torre de pedra toca uma
trombeta barroca.
Os Sonâmbulos encerram a leitura com o soar da trombeta e ficam observando o
raiar do dia, um momento agradável, a fragrância do amanhecer, uma mistura de
petrichor e hortelã , bem diferente da fragrância da noite que apresenta um
perfume suave de alfazema com almíscar.
A grandeza do império é a simplicidade da vida de seus habitantes, o imperador, um homem culto, é o bibliotecário, há também uma elite servil chamada de escritores, na sua maioria poetas, teólogos e filósofos. Alguns deles vivem em cavernas, um estilo de vida dinâmico e rudimentar. Confortável para os padrões da vida feliz.
A vida é
estável lá, mulheres e homens alcançam uma maturidade avançada e então
permanecem intactos, não envelhecem ao ponto de perder o vigor e a memória.
Também é interessante informar que não há um sistema monetária lá, se tivesse ,
a moeda corrente seriam os livros e a reputação pessoal, quando mais
irrepreensível fosse um homem, por seu caráter elevado e vida justa teria
direito de possuir qualquer coisa sem cometer qualquer crime ou
injustiça.
O idioma dos Sonâmbulos é o universal, entendem qualquer uma e falam todas,
inclusive a dos anjos, são versados nas línguas antigas e modernas.
O império, no entanto, é inacessível, é proibido a entrada e mesmo se alguém quisesse chegar lá, não poderia, a ilha é protegida por uma abóboda de cristal invisível, a menos que alguém alcançasse o nível místico de um Sonâmbulo não pode ter acesso à ilha.
Protegidos como se encontram, se os Sonâmbulos perceberem o estilo de vida que as outras raças vivem em nossos dias, é provável que tomem os devidos cuidados de se ocultarem de todas as civilizações, não será novidade se tentando encontrar esse império nos mapas ou pessoalmente vasculhando o Atlântico Norte, nada se encontre senão névoas e águas o motivo, é que o Império está absolutamente invisível, para se precaver dos perigos dos homens avarentos novamente.
Extraido de: Contos Ordinários e Extraordinarios de C. J. Jacinto
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